A batalha segue aqui: http://ofogodavontade.wordpress.com/
Se o conjunto do establishment político faz prova da sua impotência para enfrentar os desafios do presente, a eficiência da «direita estabelecida» surge, ao longo do tempo, menor do que a da esquerda, que, ela ao menos, conseguiu transformar a sociedade conforme a sua ideologia (exemplo: impor a sua ideologia penal ou pedagógica) enquanto a direita permaneceu, na segunda metade do século XX, abalada pelos acontecimentos e pelas correntes ideológicas. Isso deve-se principalmente ao facto de que a direita adopta em geral um comportamento menos político que a esquerda.
Ao contrário da esquerda, que sempre procurou demarcar-se da direita (mesmo quando esta última se tornou, na realidade, apenas mítica) a «direita estabelecida» sempre procurou o compromisso com as ideias de esquerda. É o «complexo de direita» próprio dos «moderados» que remonta ao pacto político da Libertação: A direita não é tolerada senão com a condição de adoptar os valores da esquerda e de se refugiar na gestão. Caso contrário é diabolizada e reenviada para o inferno do fascismo e da colaboração (hoje em dia do «populismo»).
A «direita estabelecida» foi incapaz de sair desta prisão no último quarto do século XX, em particular porque ela não se preocupou suficientemente com as questões ideológicas. Isso conduziu-a a vários erros estratégicos:
1-Recusar o conflito de valores com a esquerda e, em consequência, não ter delineado uma estratégia de fundo, isto é, contestar a esquerda no plano das suas finalidades e não somente dos meios que ela utiliza.
Isto traduziu-se no facto de a «direita estabelecida» ter adoptado o essencial do vocabulário da esquerda, o que representa a adesão aos seus valores( exemplo: luta contra a «exclusão», contra as «discriminações», pelos «sem-papéis», etc.); a direita está assim afectada pelo mimetismo ideológico e portanto pela incapacidade estratégica. Desta forma tornou-se incapaz de toda a ruptura com o «sistema», por causa da conivência ideológica.
A direita, ademais, aliou-se à dominação dos valores mercantis, dominação à qual estamos sujeitos desde o fim do século XX. Mas o facto de se ter, em parte, ligado ao discurso neo-liberal( isto é, à ideologia do mercado e dos direitos do homem) não a conduziu minimamente à emancipação da tutela ideológica da esquerda: porque esta ideologia neo-liberal vincula-se ao mito igualitário de outra maniera (é preciso não esquecer que a ideologia do Maio de 1968 serviu de «quebra-gelo» ao neo-capitalismo deslegitimando todas as instituições que poderiam ser obstáculo ao triunfo dos valores mercantis: que é a única verdadeira revolução da segunda metade do século XX). É o que explica também que a esquerda tenha aderido ao mercado na segunda metade do século XX.
Adoptando em parte a ideologia dos proponentes do neo-capitalismo, que afirmam que a função de regulação do poder político é sempre menos eficaz que a do mercado e que o único futuro das sociedades humanas é o da abolição das fronteiras, desenvolvimento do comércio e triunfo das democracias de mercado de modelo anglo-saxónico (cf.Francis Fukuyama e o pretenso «fim da história») a direita não parou de perder a sua identidade.
De facto, o que continuamos, por comodidade, a chamar direita, nos media ou nas sondagens, tomou uma forma pouco diferenciável da esquerda, recentrada ao mesmo tempo sobre a economia de mercado. De resto, um homem político «de direita» não é hoje:
- Alguém que diz tudo e o seu contrário porque procura sempre uma aprovação da esquerda?
- Que não respeita os compromissos assumidos perante o seu eleitorado?
-Que cita sempre homens de esquerda em defesa das suas propostas?
2-Distanciar-se do povo: enquanto a base sociológica da esquerda se pulverizava à medida que reduzia o emprego industrial, a direita mostrou-se incapaz de elaborar uma estratégia de substituição. Pior, acabou por adoptar a estratégia anti-popular da esquerda, preferindo apostar numa lógica de nichos, de fracções e de minorias de opinião (ao contrário da estratégia «gaulista» de agregação): os árabes, os homossexuais, etc.
A direita instituída aliou-se claramente a esta estratégia e privou-se assim de poder apelar ao povo para superar os bloqueios do sistema. Ela encontra-se, de facto, sempre em situação de inferioridade face a uma esquerda que continua a dispor de numerosos esteios (organizações sindicais e associativas, media), mesmo se em declínio.
O establishment, primeiro à esquerda depois à direita, veio assim a desconfiar do «político» depois que se apercebeu que o povo se arriscava a votar «mal», isto é, a votar nos partidos «populistas».
Por que vota o povo mal? Porque o sistema é cada vez mais disfuncional e porque é principalmente o povo, e não o establishment, que paga o custo.
Claramente, a despolitização tornou-se um objectivo estratégico do sistema institucional; este procura promover um povo e consumidores dóceis que não se revoltem contra o sistema (o desporto de massas é uma invenção do século XX que visa o mesmo objectivo – cf. O filme «Rollerball», de Norman Jewison -: substituir a paixão política para a neutralizar; veja-se também o papel da música, o ruído mediático e a ideologia da comunicação: reduzir o espaço do silencio individual significa reduzir o espaço de reflexão que poderia ser propício à revolta).
No plano metapolítico esta estratégia viu-se instrumentalizada na ideologia da libertação individual (libertação dos costumes provocada pela ruptura cultural do Maio de 1968). Porque esta ideologia é encorajada pelo establishment: com efeito, em troca do «direito» a dar livre curso às suas pulsões individuais e hedonistas os indivíduos perdem progressivamente, na realidade, os seus poderes colectivos. Isto traduz-se nomeadamente na perda dos atributos da cidadania e da soberania.
(…) Daí também o desprezo pelo povo enquanto tal no discurso do establishment de direita como de esquerda: O desprezo do «populismo» exprime a recusa do establishment em conduzir uma política que considere o povo como uma entidade orgânica (conformemente à doutrina mercantil e ao dogma igualitário: não existem senão indivíduos e átomos sociais cambiáveis). Podemos também juntar a isso a moda do «arrependimento» e do dever de memória «das horas sombrias da nossa História» na qual o establishment parece deleitar-se: porque é sempre a nação que é julgada, nunca o establishment (que faz o papel de procurador).
É por isso que passámos do «tudo é político» dos anos 60 a uma despolitização das questões societais e inclusive a uma vontade deliberada de recusar todo o verdadeiro debate político( cf. A segunda volta das eleições presidenciais francesas de 2002: a recusa de Jacques Chirac em debater com J.-M. Le Pen; esta recusa de uma confrontação ritualizada é impolítica por natureza).
Resulta disto uma crise maior do sistema político que, por outro lado, é um factor de impotência colectiva.
Porque a impotência política permite também que o sistema fuja do confronto político transparente e se esforce por não submeter nada mais de crucial ao julgamento do povo. É o que lhe permite conduzir imperturbavelmente políticas que o povo não apoia. O sistema político não desempenha senão marginalmente o seu papel de impulsionamento, regulação e de sanção. É de resto por esta razão que o establishment político se mantém apesar do seu fracasso global; é o seu único verdadeiro sucesso duradouro: ter-se transformado numa máquina de conservação do poder mas que não o exerce ao serviço da sociedade.
Tradução livre de um excerto da intervenção de Didier Lefranc na reunião do Club de l'Horloge de Outubro último.
Durante toda a nossa juventude procurámos os caminhos difíceis. Vagabundeáramos pelos pólos onde as últimas manchas brancas do mapa do mundo flutuam como icebergs sobre o azul pálido dos atlas e dos mares frios. Seguíramos os cães de trenó, no Alasca, com os heróis de Jack London e perdêramo-nos, corpos e bens, ao largo da Islândia no «Pourquoi pas?» do comandante Charcot. Vivêramos com Byrd, Nobile, Scott e Amundsen. E choráramos de raiva sobre as velhas gravuras dos nossos livros de eleição porque os grandes veleiros apodreciam nos portos e nós não dobraríamos jamais o Cabo Horn à vela.
Ao dobrarem o Cabo Horn, os marinheiros d’outrora haviam conhecido a coragem e o que está para além da coragem, a alegria e o medo ao mesmo tempo. As ondas eram tão altas e a bruma tão espessa que deixávamos mesmo de ver as falésias cobertas de neve e esses rochedos que arrombavam os navios de Hamburgo, de Liverpool e de Bordéus…Existiram, dantes, homens nestas ilhas. Eram-nos mais estranhos que os da pré-história. Tripulantes nos navios dos nossos sonhos, não prestávamos atenção senão aos nossos capitães e aos nossos marinheiros. Eram os nossos irmãos maiores, homens dos nossos litorais. Falavam flamengo, bretão ou basco, como os pescadores dos pequenos portos onde passávamos as férias.
Em 1953 senti brutalmente, folheando as páginas de «La Nuit Commence au Cap Horn», o ardor do sal, o sibilo do vento, e essa vertigem da solidão no grande silêncio branco, quando nada parece sobreviver ao interminável crepúsculo polar. É um desses livros inolvidáveis que nos introduzem, como nunca, num outro universo. E esse universo é o nosso, a milhares e milhares de quilómetros das nossas costas temperadas. Banidos das nossas ruas e das nossas praias pelos pequenos intelectuais frágeis, pelo seu vício pobre, pelo seu amor imoderado aos proletários e ao Whisky, pelo seu snobismo social, não sabíamos mais em que exílio se encontravam os verdadeiros escritores. André Malraux não fazia já falar senão o silêncio e Montherlant desaparecia. Restava-nos o escutismo literário de Brasillach e Saint-Exupéry. Por vezes seguíamos os Hussardos nas suas cavalgadas, mas não tinham o fascínio dos cavaleiros de Hedjaz e do Arizona. Para nos perdermos no desconhecido refugiávamo-nos no cinema.
E depois houve Saint-Loup. Que Furacão! Foi primeiramente o que vi neste livro: um sopro que vinha de um outro mundo, no outro lado da Terra. E este mundo era o nosso mundo, aquele da vontade de poder e do espírito de sacrifício, aquele dos homens que escolhem a sua aventura e se dão até à morte a um herói que trazem no fundo do seu coração e que não tem outro nome que o deles mesmo. O livro de Saint-loup cortava a árvore morta da literatura como um machado. Não se tratava já de julgar este homem segundo as regras habituais da crítica. Por fim estávamos para lá da escrita, numa alvorada incerta que anunciaria o despontar de um dia assombroso. Ao ler «La Nuit Commence au Cap Hord» tínhamos a impressão de regressar à superfície, rumo à luz e ao sol, como esses mergulhadores que lentamente emergem de águas tenebrosas. Não devia ser o único a deixar-me levar por este livro. Mesmo os especialistas sentiam a respiração cortada. E é a corrida aos prémios…Francis Carco lança o livro na lista dos «Goncourt». Muito rapidamente conquista metade dos votos. Colette telefona mesmo ao director literário das Edições Plon para lhe dizer que estava ganho e que «La Nuit Commence au Cap Horn» seria o prémio Goncourt de 1953.
Mas o «Fígaro Littéraire» (e imobiliário) publica uma nota revelando que Saint-Loup não é outro senão Marc Augier, antigo animador dos albergues de juventude, chefe de redacção de «La Gerbe» de Châteaubriant, combatente voluntário na Frente Leste e condenado à morte, à revelia. Um polícia copiará o dossier do Tribunal Militar e apresentá-lo-á a Roland Dorgelès: E o prémio Goncourt é atribuído a Pierre Gascar por «Le temps des morts». Doze anos mais tarde ninguém pensa mais neste laureado de circunstância. A «Les Presses de la Cite», pelo contrário, acaba de fazer reaparecer «La Nuit Commence au Cap Horn». O livro de Saint-Loup não será certamente repescado para o Goncourt de 1965. Mas terá dezenas de milhares de leitores.
Fumando o seu cachimbo, Saint-Loup evoca esse ano de 1948 em que beneficiará do seu posto de conselheiro técnico de questões de montanhismo no exército argentino para partir à descoberta do Chile Austral: - Entre os padres salesianos de Magalhães compreendi por que as populações indígenas haviam desaparecido: Quiséramos fazê-las viver num quadro que não era o seu. Foi um verdadeiro genocídio. Os missionários que evangelizaram essas tribos quiseram transgredir a lei que faz os homens diferentes. Ele levanta-se, mostra-me as fotografias de montanhas atingidas pelo vento: - Não brincamos com a lei do paralelo 55 Sul. A verdadeira liberdade é respeitar a natureza. Querer deformar os países e os homens é o pior dos crimes. – E o teu livro? – Escrevi-o durante o Inverno de 1950-51 em Itália, em Courmayeur. Nevava quase todos os dias. Eu não havia deixado o Cabo Horn…este romance, escrito depois de tantas aventuras, é do melhor Saint-Loup. Descobrimos em cada página o homem de acção. Aviador que sobrevoou florestas e motociclista que devorou quilómetros, esquiador na Lapónia e combatente na Ucrânia, alpinista, explorador, cavaleiro. Um homem digno de uma peça, escritor, montanhista, historiador, viajante. E, com ele, nós seguimos, passo a passo e dia a dia, o pastor Duncan Mac Isaac. Há cem anos este missionário metodista tentava o impossível, pretendendo converter ao cristianismo os índios da Terra do Fogo. Ele quer negar o real, esquecendo que os homens são determinados pela sua raça antes de o serem pela sua religião. E ao querer salvar as almas ele vai destruir várias tribos. Este romance é o maior requisitório contra o colonialismo… «La Nuit Commence au Cap Horn», que descreve a agonia de uma raça, encontra-se na linha do realismo biológico mas não corresponde de todo à ideia que os «anti-racistas» fazem do racismo. Estarão em dificuldades para descobrir ali a menor «apologia do crime». Bem pelo contrário, Saint-Loup demonstra – e com que aura épica – que é o universalismo que é um crime, a religião uma miragem e que a verdadeira liberdade, para cada homem e para cada povo é, antes de tudo, o direito de ser o que são.
Recensão de Jean Mabire,«Europe-Action» N°35 – Novembro de 1965
Num folheto do PCP sobre a questão do aborto e sob o sugestivo título: «Mudar a lei do aborto sem recurso a referendo» escrevia-se em Março de 2005: «O PCP rejeita a ideia de que seja necessário novo referendo. Recorda-se que o referendo de 1998 tem sido invocado para tentar negar a plena legitimidade da AR para legislar sobre a matéria. Acontece que tal referendo não teve carácter vinculativo, visto que votaram apenas 31,9% dos eleitores. E mesmo que tivesse tido mais de 50% de votantes o seu efeito vinculativo já teria há muito caducado, passados que são oito anos dessa consulta.»(*)
Jerónimo de Sousa tem comprovado a coerência do seu partido nesta questão ao continuar a defender que a alteração à lei existente deveria ser realizada sem consultar a população, uma vez que isso acarretará incerteza quanto ao resultado. Naturalmente a ideia de incerteza quanto ao resultado é central ao processo democrático mas também é evidente que essas «particularidades» nunca foram do agrado dos comunistas, que simplesmente, e por força das circunstâncias, se viram forçados a aceitar a participação política baseada nesses métodos.
O que é interessante naquela posição dos comunistas nem é tanto o argumento do carácter vinculativo mas a ideia de que mesmo que o tivesse não faria qualquer diferença, «passados que são oito anos dessa consulta». De acordo com esta posição ficamos a saber que o resultado do novo referendo, seja vinculativo ou não, é irrelevante, já que daqui a meia dúzia de anos não há qualquer razão para o não alterar em sede parlamentar, mesmo, naturalmente – reconhecerá o PCP coerentemente –, se esta nova consulta tiver o desfecho que o partido pretende.
O que isto pressupõe é, obviamente, uma perda de legitimidade dos mecanismos de democracia directa para além deste caso específico. Se as decisões populares assim definidas valem simplesmente durante um curto período, presume-se que durante o governo de um determinado partido – pois que com a vitória de outro a Assembleia da República assume novo contorno ideológico e pode ganhar as condições de alterar essas leis –, não há qualquer lógica que justifique a existência dessas consultas à população. Claro que uma decisão referendada não tem de vigorar indefinidamente, mas parte-se do princípio que deve valer por um tempo alargado e para além da vontade estritamente parlamentar, será esse um dos objectivos subjacentes a este tipo de processos democráticos que, caso contrário, seriam realmente desapropriados.
Ou seja, o PCP não gosta da democracia directa nem a entende, ponto. Já sabíamos que os marxistas não eram propriamente os maiores entusiastas da democracia representativa, tradicionalmente apresentada como sistema de dominação burguesa sobre o proletariado, ficamos agora também conscientes (falo com ironia pois não creio que alguém não o soubesse já) que a democracia directa também não lhes serve.
Aliás, o mesmo texto mostra bem que o PCP, para além de não perceber a lógica da participação directa, tem dificuldades em interpretar o funcionamento da própria democracia representativa. Lemos mais à frente:
«Despenalizar a interrupção voluntária da gravidez na Assembleia da República sem referendo prévio não significa desrespeitar a vontade dos (as) eleitores (as) porque das últimas eleições saiu uma ampla maioria parlamentar constituída por forças que, na campanha eleitoral, se afirmaram favoráveis à despenalização do aborto».
É verdade, mas esqueceram-se de referir que uma dessas forças, curiosamente a que ganhou as eleições (e não foi o PCP), também prometeu durante a campanha eleitoral não alterar a lei da IVG na Assembleia da República sem consultar novamente o povo. E embora isto possa parecer estranho para o PCP, estas coisas são, em princípio (e reforço isto porque, como sabemos, a realidade é muitas vezes outra), para cumprir, e é isso que supostamente credibilizará o processo democrático assente em formas representativas.
Não é que o PS tenha demonstrado com a sua decisão maior compreensão das instituições democráticas que os seus confrades de extrema-esquerda; bem nos lembramos que o partido socialista também pretendeu, a dado momento e contra os seus compromissos de campanha, alterar a lei no parlamento, posição que reunia o apoio de BE e PCP …simplesmente, Sócrates, consciente de que já havia mentido aos portugueses na questão dos impostos, achou por bem ter algum pudor, foi mais uma posição tomada por contingências políticas do que por convicção democrática. No fundo, esta incompreensão do PCP face aos factores de idoneidade da própria democracia representativa (porque quanto à directa estamos falados) - como o programa eleitoral - pode até ser relativizada quando os «primos socialistas» também não parecem ter sobre isso mais que uma posição utilitária, de conveniência.
(*)Folheto comunista
As recentes eleições municipais na Bélgica assinalaram um crescimento geral, na Flandres, do partido identitário Vlaams Belang. Um êxito que a imprensa local e europeia, de forma esperada, procurou minimizar ou relativizar fazendo eco de uma derrota na importante Antuérpia, para os socialistas.
Nessa cidade, a mais importante da Flandres, o VB era até agora a força política mais votada; tendo obtido 33% das preferências nas últimas eleições conseguiu agora um acréscimo de 0.5%. O sp.a, partido socialista flamengo, conseguiu aí passar de 19,5% para 35%; a subida dos socialistas flamengos em Antuérpia foi conseguida sobretudo à custa da queda dos ecologistas e dos liberais e dos ganhos na comunidade imigrante, não do eleitorado do VB.
Na realidade, se tomarmos em conta que após as eleições de 2000 – onde ocorreu um sucesso admirável do VB –, os partidos do sistema decidiram conceder aos imigrantes o direito a votarem nas eleições municipais e alteraram o critério de acesso à nacionalidade, facilitando enormemente a sua obtenção por parte de qualquer estrangeiro residente há 3 anos, poderemos concluir que os resultados dos nacionalistas do VB foram anda mais notáveis do que à partida se poderia supor. Sem os votos dos imigrantes e dos recém naturalizados, naturalmente exercidos contra o Vlaams Belang, os resultados relativos do partido seriam ainda melhores e certamente teria continuado como força maior de Antuérpia, já que o sp.a beneficiou desse voto dos «novos belgas» (o Partido da Liberdade austríaco, apoiando-se em fontes flamengas, afirma em comunicado que só em Antuérpia o número de belgas «inventados por naturalização» e de imigrantes a quem foi concedido direito a votar andará à volta dos 90 000, numa cidade que tem cerca de 450 000 habitantes!)(*). Não tenho qualquer problema em afirmar que estes resultados, mesmo fora de Antuérpia, onde o VB teve importantes ganhos, foram adulterados pelas políticas de imigração e naturalização desenvolvidas nos últimos 6 anos … parabéns aos «bons democratas», objectivo parcialmente atingido!
Mas até que ponto faria realmente diferença o resultado alcançado pelo partido nacionalista flamengo nestas eleições? A pergunta é pertinente porque, na Flandres, o VB está praticamente impedido de exercer o poder mesmo nas localidades onde é a força mais votada. Ao abrigo daquilo a que chamaram «cordão sanitário», todos os outros partidos têm um acordo tácito que permite estabelecer entendimentos por forma a impedirem o VB de governar nos municípios onde vence.
Este acto eleitoral tinha assim sobretudo uma dimensão simbólica, porque, realisticamente, e em face do atrás exposto, a probabilidade do VB vir a exercer o poder em algumas municipalidades era muito diminuta. A grande vitória do partido foi a demonstração de que tem o seu eleitorado consolidado e em crescimento, que, ao contrário do que pretenderiam alguns, o seu sucesso vem sendo construído de forma sólida e gradual, não foi um fenómeno conjuntural de curto-prazo, e esse sinal é uma fonte de esperança e força para toda a «Europa Livre». De resto, a única forma de romper verdadeiramente essa farsa democrática que denominaram «cordão sanitário», e que junta desde socialistas a conservadores, é obter mais de 50% dos votos, o que, convenhamos, é tarefa particularmente difícil para qualquer partido quanto mais para os que sofrem dos bem conhecidos estigmas que a «honesta comunicação social» se encarrega de impor sobre as organizações patrióticas de toda a Europa.
Este cordão sanitário remete-nos para a «aliança útil» que se gerou contra Le Pen em França, nas presidenciais que disputou com Chirac, e mesmo para as pressões transnacionais que se realizaram sobre a Áustria aquando do sucesso eleitoral de Haider. Porém, considero que nenhum termo foi tão feliz para caracterizar estas práticas, como a designação «cordão sanitário». O que é um cordão sanitário senão uma forma de preservação de higiene ou de isolar o que está contaminado do que é saudável, o que é sujo e porco do que é limpo? Pois é disso mesmo que se trata, o Vlaams Belang, como as restantes forças nacionalistas europeias, representa o que ainda é salutar na Europa, representa a Europa que se estima, que se preserva, que não chafurda na lama e na porcaria, que não se prostitui, essa Europa está de facto isolada e cercada, e não encontro melhor imagem para caracterizar o que a separa do lixo que se acumula e alastra dentro das suas próprias portas – da esquerda à direita – do que a ideia de cordão sanitário.
Yves Daoudal, no National-Hebdo, definiu magistralmente a situação: «Não há mais que dois partidos políticos na Flandres, o Vlaams Belang, que defende os valores nacionais, e a grande coligação cosmopolita». De facto, e generalizando, não só na Flandres mas em toda a Europa existirão sobretudo duas forças em confronto, os nacionalistas e os outros, a nação contra a anti-nação, a Europa contra a anti-Europa. Tudo o resto será cada vez mais secundário, menor, irrelevante, porque é da nossa própria sobrevivência enquanto povos que hoje falamos, a luta decisiva definirá simplesmente dois campos maiores, os defensores da memória nacional e da identidade europeia contra a grande coligação da perfídia, que junta desde os mundialistas de esquerda aos universalistas de direita.
Note-se que os partidos do «cordão sanitário», a grande coligação, com o objectivo de impedirem a chegada ao poder do VB, não só não hesitaram em colocar milhares de estrangeiros a votar e de naturalizar outros tantos como foram mesmo mais longe: para garantir os votos dos cidadãos instantâneos que entretanto criaram, esses diversos partidos encheram as suas listas de indivíduos de origem não europeia, ao ponto de, por exemplo na referenciada Antuérpia, cerca de 1/3 dos eleitos socialistas e democratas-cristãos serem agora provenientes de Ásia e África. Quando da esquerda socialista à direita cristã se coloca a Flandres sob o governo de africanos e asiáticos para combater os nacionalistas dispensam-se mais considerações… cordão sanitário? Concerteza, afinal é mesmo de uma questão de higiene e sanidade que falamos.
(*) Comunicado do Partido da Liberdade
Antes de morrer, em circunstâncias pouco claras, Slobodan Milosevic apresentou perante o peculiar Tribunal de Haia um documento que assinalava a presença de guerrilheiros da famigerada Al Qaeda na luta de «libertação do Kosovo», apoiada pelos EUA.
Sendo o documento verdadeiro ou não, o que é certo é que são vários os analistas políticos que referem a presença de radicais islâmicos ligados a essa organização nas guerras dos Balcãs, particularmente no Kosovo. Naturalmente não seria necessário qualquer apoio americano para que isso se concretizasse uma vez que essas pessoas serão movidas pelo que entendem ser a necessidade de cumprir e expandir o Islão mas não deixa de ser verdade que a luta desses homens acabou por constituir uma feliz coincidência de sentido com a luta travada pelos EUA, sob a capa da NATO, na região.
A 20 de Setembro de 1999, num artigo no «The Independent», Michael Radu escrevia:
«E como poderia a afirmação, voluntariamente ignorante, do general Wesley Clark, de que não existiam evidências de limpeza étnica por parte do KLA (Exército de Libertação do Kosovo) ser interpretada como algo mais que permissão para acabar o serviço(...) A dicotomia mal direccionada entre bons e maus por parte das potências ocidentais era já evidente em Outubro último quando os EUA e a NATO impuseram uma capitulação de facto à Sérvia, exigindo que parasse as operações de insurgência contra o KLA. Continuou com o acordo de Junho de 1999 que acabava a guerra e que eliminou toda a presença administrativa, policial e militar no Kosovo – em resumo, apenas se manteve simbolicamente a região como parte da Sérvia. O mau julgamento da NATO foi completado pelo facto de não se ter mostrado preparada para substituir a presença sérvia depois de a ter eliminado».
Ou seja, os norte-americanos, que dirigiram ali as operações da NATO, auxiliaram peremptoriamente a fundação de um potencial enclave islâmico com autonomia reforçada – a que só falta independência oficial – numa das zonas historicamente mais instáveis e problemáticas do Continente Europeu.
E não se terá tratado simplesmente de uma opção de uma administração em particular, porque a verdade é que neste caso a política externa norte-americana parece manter-se concordante de governo para governo, obedecendo a uma estratégia que ultrapassa a alternância democrática eleitoral. Atesta-o a própria diplomacia da Administração Bush nos Balcãs. Estando concluída a islamização do Kosovo e quando grande parte da população sérvia se viu forçada a abandonar a região, as reivindicações autonómicas dos albaneses ganharam outra dimensão, é pois lógico assumir que o abatimento de Belgrado não esteja ainda finalizado uma vez que o reconhecimento do Kosovo como parte da Sérvia não é hoje mais que uma mera formalidade, existe na população islâmica albanesa, que actualmente manda de facto na região, a ambição de secessão efectiva. Para isso, claro, é essencial a complacência do «Ocidente», o mesmo é dizer dos EUA e respectivo séquito europeu.
Ora isto, tudo o indica, terá sido assegurado em Junho deste ano quando Condoleezza Rice recebeu em Washington, com todas as honras, o bom aliado Agim Ceku, primeiro-ministro do Kosovo, antigo comandante do KLA e acusado de crimes de guerra pelos sérvios (infelizmente, estes, como outros na Historia, parecem estar condenados a serem os únicos criminosos do conflito, pelo que, do outro lado, não se avistam senão libertadores heróicos), num acto decisivo para selar o desmembramento final da pátria sérvia e a independência efectiva do novo Kosovo. Agim Ceku sabe que está em Washington o apoio que realmente precisa e aquele que verdadeiramente conta, a Europa, provavelmente também nisto, triste sombra do seu passado, acatará.
A Sérvia deve preparar-se para a estocada final, parece próximo o epílogo amargo que há muito lhe haviam destinado. A ironia maior é que o país que tantas vezes nos procuram apresentar como «vélite do Ocidente» face ao perigo islâmico, os EUA, é o sustentáculo fulcral da criação nos Balcãs de um Estado de população muçulmana, numa região que tem um enorme significado espiritual para uma Sérvia que foi ao longo de várias décadas, ela sim, uma fiel defensora da Europa e da cristandade contra o avanço do Islão no Continente. No século XIV a Sérvia do príncipe Lazar personificou a Europa (e não o «Ocidente») que enfrentou no Kosovo, com trágicos custos, o invasor otomano, passados alguns séculos os EUA comandariam as forças do «Ocidente» (e não da Europa autêntica) que entregariam o Kosovo aos muçulmanos…emblemático!
Na Hungria, o reconhecimento (trazido a público) por parte do primeiro-ministro socialista de que havia mentido à população sobre a situação económica do país e que o programa eleitoral que o levou à reeleição não poderia, em face disso, ser cumprido, que era apenas uma manobra eleitoralista para conseguir a continuidade no governo, encaminhou para as ruas milhares de cidadãos revoltados exigindo a sua demissão. Cinicamente, confesso que a única coisa que acho invulgar no caso é a forma como trespassou para o público a gravação daquelas conversas internas. Não há, verdadeiramente, nada de particularmente extraordinário no resto, ocorre dizer: «Hungria, bem vinda à democracia».
A verdade é que pela sua natureza a democracia moderna é, por excelência, reino de demagogia, que deriva naturalmente da necessidade imposta pelo eleitoralismo existente, promete-se tantas vezes o que à partida não pode, em consciência, ser realizado, pois o objectivo é chegar ao poder e lá permanecer o maior tempo possível (e nada mais que isso – é flagrante a completa ausência de projectos políticos mobilizadores, nada mais temos que a alternância dos mesmos de sempre na gestão corriqueira do situacionismo conjuntural), e o meio de o fazer e de lá se manter é oferecendo, continuadamente, à imaginação das massas de votantes a mentira, o «melhor dos mundos» e conseguido sem grandes chatices. Mandam as multidões que nada mandam que lhes mintam na cara, merecidamente, a maior parte conforma-se, habitua-se. Aqueles que do sistema vivem e os órgãos de informação que servem o dito cujo encarregam-se de manter sempre presente sobre as populações os fantasmas que asseguram a eternização das oligarquias vigentes, debaixo da ideia de que chegámos, neste caso, a um fim da história…
Na sua breve apresentação do livro de Thierry Desjardins, «Assez!», Lambert Christian afirma: «Como em democracia, mesmo relativa, é imperativo seduzir a opinião, a tentação de praticar a estratégia da mentira é grande»(Électoralisme : la stratégie du mensonge, Les 4 Vérités, nº 556)
Depois, reportando-se exclusivamente ao caso francês, dá dois exemplos concretos (mas que são completamente transponíveis para a realidade portuguesa): a distorção oficial dos números relativos ao desemprego e a manipulação dos dados referentes ao número de imigrantes e os seus custos para o Estado( O Instituto de Geopolítica das Populações, desafiando as informações que sobre o assunto se procuram divulgar, estima em 80% do défice orçamental o custo total da imigração e sua integração em França).
Por cá não precisamos de recuar muito para encontrar exemplos flagrantes da «estratégia da mentira», notem-se as diferenças de orientação nas promessas apresentadas pelo actual governo antes de ser eleito e as decisões tomadas depois de atingido o «El Dorado» no caso da política fiscal. E não entremos sequer na discussão dos dados económicos e sociológicos que manipulam e naqueles que nos ocultam. Não mais sairíamos daqui…
Esta «estratégia da mentira» é o próprio âmago das democracias-liberais modernas, Ferenc Gyurcsány teve simplesmente «azar», foi ironicamente apanhado num momento de franqueza privada.
Será interessante analisar a forma como a direita imaculadamente democrática e sensata tem vindo a lidar com a questão. Os húngaros, ainda algo novatos nestas coisas da «classe discutidora», reagiram nas ruas (mais uns anitos e aquilo passa-lhes, acostumar-se-ão, os ingénuos) e ao fazê-lo obrigaram a direita «moderada e respeitável» ao envolvimento, directo ou indirecto, nas manifestações, caso contrário teriam sido deixadas exclusivamente nas mãos da direita radical, o que, está bom de ver, seria má estratégia eleitoral para a «boa direita».
Mas muitos sectores dessa direita não escondem a intenção de permitir ao actual governo completar o mandato. Afinal, vêm aí as eleições locais e após o escândalo a «boa direita» tem plena consciência de que será recompensada, e depois, nas próximas legislativas, a vitória apresenta-se também muito próxima, não só porque o escândalo continuará presente, e disso se assegurará a oposição fazendo também ela bom uso da demagogia e da «estratégia da mentira», como as medidas que foram anunciadas pelo governo socialista, de austeridade e sacrifício, garantirão o mote perfeito para o eleitoralismo triunfante, com a vantagem que advirá do facto de as reformas problemáticas mas necessárias terem então sido já parcialmente ou totalmente realizadas(o que não deixa de constituir menos um fardo). Aconteça o que acontecer é uma situação de «ganho-ganho». Torna-se simplesmente necessário acompanhar e controlar o poder da direita «dura» nas ruas, porque é fulcral não deixar fugir a imagem de liderança da oposição perante as massas de votantes.
A partir de 1919,com apenas 17 anos, Ernst von Salomon está nos Freikorps, combate no Báltico contra os comunistas e na Silésia contra os polacos que procuram anexar essas terras, os seus companheiros lutam, igualmente, contra os movimentos separatistas, na Baviera e na Renânia, contra os partidários de Marx e Engels que, quais abutres, aproveitam a derrota alemã na primeira guerra para alastrar a sua mensagem subversiva.
Os altos responsáveis da República de Weimar mostram-se, perante esta Alemanha humilhada pelo tratado de Versailhes, controlada pelos “aliados”, à beira da fragmentação interna, fracos, quando não condescendentes. Não é já só a humilhação a que foi sujeitada a nação a partir do exterior que move os movimentos de resistência nacional, é a indignidade interna do governo instalado.
A revolta cresce e expande-se, dos veteranos da primeira guerra ao povo anónimo. Juntam-se, nesses “corpos livres”, voluntários dos mais diferentes meios, desde homens formados nas academias militares, filhos de oficiais, a antigos soldados rasos e gente sem experiência militar. O chamamento unificador da pátria vexada começa a agregar, ali ultrapassam-se as questiúnculas de “classes”, marcha-se então por cima da cartilha marxista, o "mito" da nação mostra-se mais forte que o da consciência classista, o inimigo principal começa a surgir claramente aos olhos desses voluntários nacionalistas do pós-guerra: É o novo “Deutsches Reich”, a nova ordem que emana de Weimar, é a democracia-liberal imposta pelos “aliados” à nova Alemanha que enfraquece a pátria, com o seu patético espectáculo de divisionismo parlamentarista, de pequena politiquice num país já de si à beira da ruína. Se a extrema-esquerda não aceita o novo regime porque está apostada em realizar ali o que fora conseguido na Rússia, para os nacionalistas a democracia-liberal é um corpo estranho à tradição da orgulhosa pátria imperial, alicerçada sobre a honra, o heroísmo e a autoridade; nauseia o constante comprometimento, os meios-termos, as meias-medidas, a dissimulação partidária, as discussões sobre coisa alguma…
O regime de Weimar mostra-se incapaz de assegurar a ordem interna, aniquilar os movimentos marxistas de secessão e reagir aos ditames de Versailhes que subjugam a Alemanha, de forma vergonhosa, ao estrangeiro. Walther Rathenau, ministro dos negócios estrangeiros da República, é, no período, um dos homens mais proeminentes da nova democracia, grande responsável pelas negociações das condições impostas pelos vencedores ao povo germânico. Defende a necessidade de cumprir com as imposições de Versailhes ao mesmo tempo que negoceia o tratado de Rapallo com a União Soviética. Em 1922 é assassinado por membros dos Freikorps, entre eles Ernst von Salomon. Por isso este passará 5 anos na prisão.
Em 1930, no seu “Die Geächteten”(Os Proscritos), relatará os tempos passados na prisão e a luta desses corpos de voluntários em defesa da Alemanha, esses homens, camaradas de revolta, sem ideal político sistematizado, representantes antes de uma visão do homem perante a realidade, a exaltação do dever, a não rendição, a rebelião, o culto da acção, reagindo instintivamente às agressões percepcionadas contra a sua memória histórica colectiva, como se reage quando nos atacam a família, serão os “proscritos” da Prússia vencida, o mesmo é dizer os que não se predispuseram a ser vassalos. Eles foram os filhos fiéis de uma pátria controlada por um Estado que viam como desleal para com o seu povo, inimigos do Estado porque cumpridores da nação.
Com a ascensão de Hitler ao poder von Salomon assiste ao desenrolar da História com algum distanciamento e vive, durante o regime, com a sua companheira judia. A sua luta estava travada, derrubar o Estado colaboracionista de Weimar, vingar o ultraje pátrio de que essa República fora expoente.
Naqueles tempos que sucederam à primeira derrota alemã, a revolução reunia todas as contradições em torno de um único objectivo claro, a restauração de uma Alemanha autenticamente soberana, senhora de si, portadora de uma identidade própria. É Ernst von Salomon que o define na perfeição quando afirma que todos aqueles combatentes aglomerados nos Freikorps não tinham ainda precisado as suas ideias quanto à organização do Estado, reagiam simplesmente contra a insidiosa situação em que o país havia caído.
Seriam precisamente esses “revolucionários conservadores” que naqueles agitados anos se dedicariam, progressivamente, em inúmeros artigos, livros e conferências, a fornecer à Alemanha uma ideia de si, definindo conceitos, apontando caminhos, relembrando a História.
Com Hitler não se consegue identificar, sempre havia tido uma postura aristocrática, cultivado um sentido de autoridade e hierarquia e desagradava-lhe aquele populismo nazi, aquela imagem que Hitler tinha de homem das massas.
De ascendência veneziana e tradição monárquica Ernst von Salomon não era um anti-semita, o culto da raça interessava-lhe sobretudo em termos espirituais, não era a “raça ariana” mas o espírito prussiano que exaltava. Esse espírito prussiano identificava-o com a coragem, o cumprimento do dever, com um sentido trágico da vida e épico da morte.
Não servia partidos mas apenas a nação. Eram, pois, as horas difíceis, quando não eram partidos que o exigiam mas a própria nação que estava em jogo, que lhe importavam. Por isso ofereceu-se novamente em 1939 para combater na segunda guerra, tendo porém sido rejeitado pelos serviços militares…
Finda a guerra é novamente preso, desta vez pelos americanos. Levado para um dos campos de detenção é violentamente agredido por militares e testemunha vários actos semelhantes praticados sobre compatriotas seus bem como violações de mulheres germânicas, perante o gozo, as gargalhadas ou o voyeurismo passivo dos soldados norte-americanos.
A Alemanha vencida é agora dividida em 4 partes, que ficam sob administração francesa, inglesa, norte-americana e soviética. Na zona americana implementa-se intensivamente um plano de “desnazificação” que leva, para além do processo de Nuremberga, ao julgamento de 169 282 alemães, contra 22 296 na zona inglesa e 18 000 na zona sob administração soviética.
Na zona sob controlo americano é elaborado, no âmbito da “desnazificação” da população, um questionário com 131 perguntas ao qual são obrigados a responder todos os maiores de 18 anos. De acordo com as respostas cada alemão poderia ser classificado em 5 grupos cujas sentenças podiam passar, por exemplo, pela pena de morte, a expropriação dos bens pessoais, o impedimento de exercer qualquer profissão que não fosse de trabalho manual ou a absolvição de culpa. Foram emitidos 12 000 000 de questionários que resultaram em 930 000 sentenças.
Ao abrigo da conferência de Postdam, que decidira que todas as pessoas hostis aos propósitos dos aliados deveriam ser eliminadas de qualquer cargo de responsabilidade e substituídas por funcionários “apropriados à implementação das ideias democráticas” e que o povo alemão deveria ser submetido a programas de “reeducação”, os americanos retiraram o emprego a 141 000 alemães, destituíram 80% dos professores e impediram 50% dos médicos de exercerem a sua profissão, isto num país a atravessar inúmeras carências na área da saúde.
Entretanto, Roosevelt, com a directiva J.S.C. 1067, dá ordens claras para levar a Alemanha à falência económica, reduzindo-a a um Estado agrário, e afirma a intenção de castigar todo o povo alemão, sujeitando-o à fome e humilhação. Só posteriormente, quando os interesses económicos norte-americanos compreenderam que o mercado europeu, do qual necessitavam, estava dependente da recuperação alemã foi alterada a sua estratégia para o país.
A vontade de rebaixamento da Alemanha levou mesmo à perseguição da aristocracia e à investigação de pessoas que tivessem “von” no nome.
A tudo isto assistiu Ernst von Salomon, bem como os milhões de alemães que foram submetidos ao domínio aliado, especialmente americano. A tudo isto respondeu Ernst von Salomon num pungente livro datado de 1951, “Der Fragenbogen”( O Questionário – as respostas às 131 questões do Governo Militar Aliado). O livro, que foi publicitado nos EUA como um manifesto alemão anti-americano, sobretudo a partir dos círculos de influência judaica, teve um grande acolhimento popular. Foi escrito com fervor patriótico, sem ceder a manifestações de contrição pública, sem reconhecimentos oportunos de descoberto democratismo – ele que talvez se pudesse ter prestado a esse papel por nunca ter feito realmente parte do establishment nazi, que se considerou sempre um prussiano, não um alemão, que considerou sempre como sua bandeira a da Prússia imperial, que não se revia no ideal ariano do nacional-socialismo( “se não tivesse nascido prussiano teria escolhido sê-lo”).
O livro é escrito num registo altivo, como quem se dirige aos americanos, e aos “democratas ocidentais” em geral, olhando de cima para baixo, é pleno da mais fina ironia, da crítica mais mordaz, e é isso que incomodou…aquele homem, no meio das ruínas, manteve-se de pé, não quebrou, como quebrado pela vergonha e pela culpa deveria estar todo o alemão, em penitência, em expiação. Pior, com o “Questionário” exortou o seu povo a não quebrar também, a não se justificar, a elevar-se uma vez mais, a socorrer-se do “espírito prussiano”, a mostrar orgulho na sua identidade, a procurá-la no fundo da sua memória e a não permitir que esta fosse recriada pelos vencedores conforme a sua vontade, a não permitir que impusessem à “Prússia” um regime estranho à sua natureza. O espelho que o livro coloca à frente da moralidade americana, denunciando-a em toda a sua falsidade, contando a história como ela não pode ser contada, nos antípodas das fábulas hollywoodescas, é um exercício de impertinência imperdoável.
Este livro tem um simbolismo próprio que ganha significado na vida do seu autor, ele encerra um ciclo, representa um regresso à origem:
-Quando muito jovem adere aos Freikorps do capitão Erhardt, a menos numerosa das unidades e uma das mais activas dos “corpos”; depois das batalhas na Silésia e na Renânia entra na “Warte”, um exíguo grupo de poucas dezenas de homens, uma elite de escolhidos entre os comandados de Erhardt. Não foi por acaso que escolheu voluntariar-se para a mais pequena das unidades e uma das que desempenhava missões mais difíceis, era assim que deveria ser pois era essa a forma mais heróica de combater, inspirado pela ideia de Goethe de que o soldado deve escolher a tropa mais pequena, a guerra mais difícil. Combatia do lado de poucos contra muitos, como se lutasse sozinho contra os outros. Era-lhe apelativo esse sentido de desproporcionalidade, essa atitude de rebelião, esse confronto da qualidade com a quantidade. Mas se nos tempos que se seguiram à primeira derrota alemã combatia quase sozinho, não o fazia por si mas pela pátria, pelo povo, numa atitude autenticamente aristocrática.
-Depois, quando o ciclo da História trouxe o peso e o êxtase das multidões, o signo do número, uma vaga de restauração nacional, sob a direcção de Hitler, afastou-se, tornou-se um contemplador, ali já não combateria sozinho, não seriam já poucos contra muitos, não haveria batalhas impossíveis a travar. Não estaria já entre os selectos, os derrotados da História que se recusavam a sê-lo, apenas poderia ser mais um de entre os vencedores momentâneos, e esse nunca foi o papel que lhe interessou, faltava o sentido trágico da vida que o atraía…
-E finalmente o ciclo encerra-se com a segunda derrota alemã, a definitiva. Tendo assistido ao sofrimento do seu povo às mãos dos libertadores, testemunhado as purgas, acompanhado a “reeducação” da população e a reconstrução da memória colectiva da Alemanha, olha em volta e vê novamente um país caído, um povo perdido, não existem já multidões exaltando a pátria mas novamente o ultraje e àquele corpo já maduro regressa o espírito aristocrático prussiano de um jovem cadete adolescente que fora ensinado a morrer pela nação. É novamente a oportunidade de se juntar ao mais pequeno exército e travar a mais difícil guerra, de estar contra a corrente da História. Desta vez, sem os seus camaradas dos Freikorps, está ainda mais sozinho, só contra muitos, contra quase todos, como sempre preferira, mas não lutará por si, lutará uma vez mais, como sempre fizera, pelo espírito prussiano, por um ideal, pelo seu povo, e então, aludindo à divisão em 4 zonas da Alemanha ocupada, dirá solene:”Hoje sou o representante da quinta zona, da zona alemã…”.
Em 1974 foi fundado, em França, o Club de l’Horloge. Influenciados parcialmente pela Nova Direita (embora, oficialmente, o não assumam) e dividindo alguns dos seus membros com o GRECE, o clube estabelecerá um caminho próprio desde muito cedo. Ao contrário do que sucedeu com a maior parte das organizações da Nova Direita o Club de l’Horloge entrega-se com maior dedicação à tarefa de estabelecer uma aliança entre o nacionalismo e a economia de mercado.
Constituído sobretudo por altos funcionários do Estado e quadros do mundo empresarial francês a sua influência virá a fazer-se notar sobretudo sobre a FN de Le Pen. O objectivo do grupo é prover doutrina aos sectores da direita que não estejam dispostos a colaborar com a “destruição da nação”. Para isso tentam construir pontes entre toda a direita assentes em premissas de defesa da identidade nacional e rejeição dos socialismos. Esta batalha compreende-se à luz do background político da maioria dos seus membros, formados ideologicamente na luta contra o comunismo, contra a União Soviética, e provenientes de uma direita menos revolucionária nas suas posições que aquela que o GRECE criará.
A síntese procurada entre o nacionalismo e um “liberalismo económico” levará a que a organização e aqueles que influenciou sejam definidos por alguns, e muitas vezes assim se assumam, como “nacional-liberais”. Mas o termo está longe de ser pacífico, como está longe de ser pacífica a inserção dos seus representantes na tradição liberal. Um dos focos do problema é a oposição que o grupo estabelece entre um “liberalismo nacional”, protector da identidade da nação, que consideram ameaçada de morte pela imigração e pelo multiculturalismo, e um liberalismo desenraizador e mundialista que rotulam de inconsciente e utópico (mas que, no fundo, será a expressão natural do que é de facto o liberalismo).
O nacionalismo do Club de l’Horloge vai inclusive para além daquele nacionalismo cívico, puramente institucional, que olha a pertença à nação como uma mera expressão da vontade individual. Isto contribui ainda mais para colocar as posições do grupo no limiar, ou na marginalidade, de qualquer corrente tradicionalmente liberal.
Em 1985, na obra “la préférence nationale, réponse à l'immigralion”, dirigida por Jean Yves le Gallou, o Club de l’ Horloge apresenta uma ideia que abordaremos aqui e que será posteriormente aproveitada pela generalidade da direita nacionalista francesa mas que constituirá, igualmente, heresia intolerável para grande parte da direita liberal, que juntará a sua voz à consternação esquerdista: conforme o título indica fala-se da concepção de “preferência nacional”.
Como afirma Henry de Lesquen, presidente do clube, não pode haver nação, com efeito, sem que a lei estabeleça uma diferença entre os nacionais e os estrangeiros. A nação é uma comunidade e nenhuma comunidade pode existir se não existe alguma distinção entre aqueles que dela fazem parte e os que lhe são estranhos. A diluição progressiva da diferenciação entre nacionais e estrangeiros não pode conduzir, logicamente, senão ao efectivo desaparecimento da nação. Uma vez que é inquestionável que a existência de qualquer nação, de qualquer grupo, exige um factor de exclusão, a única questão passível de debate é saber como se definem e materializam essas condições de diferenciação. Numa altura em que as nações ocidentais estão a ser submergidas por uma invasão populacional sem precedentes e com uma colaboração interna igualmente sem antecedência histórica surge urgente reforçar, alargar, a distinção que se esbate de dia para dia entre os nativos e os alógenos.
O conceito de “preferência nacional” insere-se, assim, nessa diferenciação natural entre nacionais e estrangeiros que reforça a nação ao mesmo tempo que, e note-se que as duas coisas são interdependentes, procura estabelecer uma conjuntura que desencoraje a imigração, pretendendo desincentivar a entrada de populações forasteiras, atraídas pelos Estados Providência europeus que tantas vezes são sobrecarregados com a torrente terceiro-mundista.
A síntese proposta pelo Think Tank francês entre o nacionalismo e o “liberalismo económico” funcionaria então em duas vertentes. Decorrente directamente da aplicação da ideia de “preferência nacional” os cidadãos pátrios passariam a ter prioridade, por exemplo, em questões de emprego, no acesso à habitação social e acesso reservado a determinadas prestações sociais, resultando numa triagem de benefícios que são considerados pelo Club de l’Horloge como um íman para as populações extra-europeias.
Existem dois direitos que o agrupamento considera que não podem, em situação alguma, estar senão reservados aos nacionais: o direito de voto e o direito de permanência indefinida no território do país. O Club de l’Horloge por várias vezes manifestou preocupação pela existência de lobbies cada vez mais fortes que visam garantir o direito de voto inclusivamente a cidadãos de países que não pertencem ao espaço de construção europeia mas que aí residem.
Quanto ao direito de permanência, consideram-no violado pelo sistema de autorizações de residência constantemente renovadas e que acabam por garantir a estadia perpetuada de estrangeiros.
No que toca à defesa da liberalização económica e ao seu impacto nos fluxos migratórios o agrupamento defende que a livre circulação de mercadorias e capitais desincentiva a imigração na medida em que facilita o investimento directamente nos países cuja mão-de-obra é procurada em vez de atrair essa mão-de-obra para o território nacional.
Subjacentes a este raciocínio estão premissas teóricas que apontam para uma relação de substituição entre a mobilidade de factores produtivos e o comércio. Não devemos, contudo, esquecer que estes modelos são baseados em simplificações da realidade e não podemos deixar de notar que a liberalização do comércio ao abrigo da NAFTA não diminuiu as pressões imigratórias para os EUA. O período em que passou a vigorar coincidiu até com uma entrada maciça de mexicanos nos Estados Unidos.
Há, no entanto, uma condição importante para uma aplicação optimizada da ideia de “preferência nacional” e que não pode deixar de ser salientada. Para o efeito atentaremos numa parte fulcral das considerações desenvolvidas por Jean-Christophe Mounicq( Les 4 Vérités, Janeiro de 1999) ao conceito:
«Primeiramente o que é um nacional? Qualquer um que tenha a nacionalidade francesa! Ok, e como se obtém a nacionalidade francesa? Por casualidade ou quase: basta nascer em território francês(…)chamamos a isso direito de solo ou “jus soli”, em latim. Por esta razão os vândalos que incendeiam viaturas nos subúrbios de Estrasburgo ou Toulouse, mesmo se são na maior parte de origem imigrante e africana, não são adolescentes argelinos ou marfinenses mas jovens franceses.
Bom, então por que querem que prefira estes jovens vândalos franceses a jovens russos, vietnamitas ou brasileiros respeitadores do próximo? Francamente, podemos compreender que os alemães evoquem a preferência nacional. Eles souberam manter uma população homogénea porque o seu critério de nacionalidade é baseado no direito de sangue, o jus sanguinis»( nota: A Alemanha acabou, sob a égide da governação de esquerda, por assinar a sua sentença de destruição ao abandonar posteriormente o direito de sangue).
Este ponto é essencial. De facto, a virtude da concepção de “preferência nacional” na defesa da nação está interligada ao critério de nacionalidade, é o direito de sangue, numa formulação bastante restritiva, que pode garantir a maior eficiência da “preferência nacional” enquanto mecanismo de luta contra a extinção da nação ou, se quisermos, a sua completa transformação numa nova entidade marcada por uma matriz étnica e cultural estranha à sua origem.
De resto notemos que a ideia de “preferência nacional” pode ser adaptada e exercida, aqui de forma voluntária e informal, naturalmente com inteligência e respeito pela condição humana, por todos os nacionalistas no quotidiano, imbuídos do mais autêntico sentido de comunidade.
Acima de tudo, como me lembrou um companheiro de caminho, tenhamos presente o seguinte: o Direito que foi injustamente construído, com a marca da traição e contra o “espírito do povo”, deverá ser, a seu tempo, justa e legitimamente modificado! Porque o Direito, como a História, não atingiu o seu fim…
Os movimentos da direita nacionalista ou identitária apresentam-se normalmente como sendo «anti-sistema». Mas o que significa isso exactamente? O que é o «sistema»? O termo é usado para definir os regimes dominantes no Ocidente; serve para ilustrar o antagonismo que opõe a mundividência identitária a um conjunto de valores que partilham uma génese comum: o liberalismo. É isso que define o «sistema», e é esse pensamento liberal que se espraiou da esquerda à direita. Os valores da tradição liberal penetraram todo o espaço político que subsiste na orla do poder.
A luta de uma direita nacionalista exige o conhecimento dos adversários, é essencial compreender aquilo que se enfrenta. Uma direita nacional, voluntarista e combativa, agora como num tempo não tão distante, que ainda ecoa na memória, é, pois, anti-liberal. A fina ironia da História coloca hoje a resistência europeia defronte do mesmo inimigo que conheceu depois da primeira guerra mundial e antes da derrota que assinalou a grande hecatombe continental.
No entanto, o termo liberal deve ser aqui entendido não só no sentido clássico, aquilo que comummente se compreende como o primado completo do mercado, mas sobretudo identificado com o chamado liberalismo social, que podemos associar à esquerda reformista.
Identificar os princípios liberais enquanto inimigos da direita identitária exige a capacidade de fugir aos habituais reducionismos que marcam vulgarmente o discurso anti-liberal: na Europa como sendo um discurso contra o capitalismo, nos EUA como prédica exclusivamente dirigida contra o progressismo social. É preciso compreender a abrangência dessa tradição filosófica e política, cujas raízes surgem ligadas ao iluminismo.
É essa tradição que se confunde com a modernidade, com o espectro político vigente e dominante, da esquerda à direita, na órbita do poder são os frutos do liberalismo que dirigem o Ocidente, da esquerda «respeitável» à direita «moderada», do centro-esquerda ao centro-direita, do socialismo democrático à direita liberal. De uma forma ou outra todas estas forças políticas regem-se por um conjunto de valores comuns que, sintetizando, assinalaremos:
O interesse do indivíduo acima dos laços orgânicos, da tradição, da comunidade histórica e holística, a colectividade percepcionada de forma institucional (ou contratual) e não primordial, o humanismo, traduzido legalmente num conceito universalista e descontextualizado de «direitos do homem», ao abrigo do qual se legitimam todas as estandardizações da vida humana, a bem ou a mal, pela palavra ou pelas armas, e uma concepção de «liberdade» como valor principal da causa política.
Antes de tudo é o entendimento que se tem da «liberdade» que estabelece a diferença entre as diferentes famílias liberais. Enquanto à esquerda, terreno do liberalismo social, se parte da ideia de liberdades positivas, à direita, reino de inspiração clássica, parte-se da ideia de liberdades negativas.
Isto marca a diferença fulcral, na medida em que essa concepção distinta da ideia de liberdade implica uma diferente percepção do papel do Estado na sociedade. Assim, o conceito de liberdades positivas vai justificar a intervenção estatal em nome da plena integração do indivíduo na sociedade em que está inserido, uma vez que aqui a liberdade é apenas alcançada quando o homem está capacitado a participar plenamente na vida social, a «realizar-se», a exercer a sua «autonomia», e esta ideia, embora delimitada pela subjectividade, implica para a esquerda liberal que o indivíduo disponha de certas condições que lhe assegurem a «inclusão social»; acesso à saúde, à educação, um rendimento mínimo, subsídios de várias ordens, medidas de discriminação positiva em favor de membros de grupos considerados como prejudicados (mulheres ou minorias étnicas, por exemplo), assegurar juridicamente o indiferentismo das preferências sexuais, etc.
Esta interpretação que o liberalismo social faz da ideia central de todo o pensamento liberal, a de «liberdade», dá-lhe, por comparação com o liberalismo clássico, uma dimensão mais colectivista; porque força o envolvimento de toda a sociedade, através do Estado, na activação dos direitos ou liberdades positivas que procuram garantir, na sua óptica, o objectivo da «realização da pessoa».
Não obstante, não nos deixemos levar pelas aparências, é essencial notar que continua a ser o indivíduo o eixo desta corrente liberal; é sobretudo a colectividade – que aqui é sociedade, mera soma de unidades unidas num espaço por instituições e relações de interesse, e não comunidade tradicional – que tem obrigações e responsabilidades para com o indivíduo e não tanto o indivíduo que prova um sentido de dever face a uma realidade comum e histórica que o ultrapassa, como seja uma nação...
Isto surge evidente ao examinarmos as ideias dos mais ilustres representantes do pensamento liberal de esquerda. A análise incide prioritariamente sobre o bem-estar individual, usando uma abordagem multidimensional que procura avaliar o impacto de uma miríade de factores sobre o bem-estar de cada indivíduo. Defendendo que a autêntica liberdade pode apenas ser alcançada quando cada pessoa dispõe das capacidades que permitem a participação plena na sociedade e a sua realização, não só afirmam a sua filiação liberal como reforçam, em última análise, os princípios comuns dessa tradição, a liberdade individual como fim da acção política.
Todo o seu raciocínio caminha no sentido da lógica de liberdade do indivíduo isolado na sua própria condição de existência, validando a concepção clássica na qual o homem económico, enquanto agente livre, define o perfeito funcionamento dos mercados, local onde os indivíduos trocam os seus trabalhos particulares, transformando o interesse egoísta individual em benefício social. Dar condições de existência básicas a esse homem económico é, portanto, o objectivo.
Essa é a lógica essencial do liberalismo social, da esquerda progressista, entroncando-a depois numa mesma visão do homem e do mundo que é partilhada pelo liberalismo postulado por Smith e seus sucessores, o tal liberalismo que alguma direita adopta ou que a direita adopta parcialmente (depende dos casos).
A diferença é que para essas direitas a concepção de «liberdade» assenta, ao invés, na ideia de liberdades negativas, isto é, na liberdade de não ser coagido por outros; na ausência de factores externos à vontade de cada um passíveis de condicionamento. A questão passa então a ser não o que o indivíduo precisa para alcançar a sua «realização» mas antes aquilo que a sociedade não lhe deve impor. Poder expressar uma opinião sobre qualquer assunto pode ser encarado como um exercício de liberdade negativa, já que implica apenas, como condição suficiente, a não interferência externa; o direito a um serviço público de saúde pode ser encarado como um exercício de liberdade positiva, uma vez que o acesso universal à saúde pode ser visto como fundamental para a auto-determinação do homem na medida em que sem «saúde» este não será autenticamente livre e, porque resulta muitas vezes assim o cumprimento das liberdades positivas, vai exigir a participação compulsiva da sociedade, do outro.
A noção de liberdade negativa é mais pacífica, mais acessível ao «senso comum», surge-nos mais facilmente. A ideia de liberdades positivas, por seu lado, é objecto de maior contestação e polémica; alguns autores defendem que existe o risco de dirigir a sociedade rumo a estádios autoritários, já que a activação das referidas liberdades positivas pode acarretar a contribuição coerciva, através do Estado, de quem não o pretenderia fazer voluntariamente, não reconhecendo, dessa forma, nesse conceito uma verdadeira liberdade, senão mesmo a sua antítese.
Por outro lado, ao contrário do que sucede com a liberdade negativa, a ideia de liberdade positiva tem a dificuldade acrescida de não se desenrolar num quadro de neutralidade moral, tem subjacente um juízo de valor sobre aquilo que capacita o indivíduo a realizar-se, o que implica compreender e justificar a fonte da autoridade moral.
Existem também aqueles que não reconhecem a validade da distinção entre liberdade positiva e negativa ou os que consideram ambas indissociáveis. Acrescente-se a recusa por parte de alguns simpatizantes ou seguidores do liberalismo clássico em reconhecer, amiúde, a legitimidade da incorporação da esquerda progressista na tradição liberal, argumentando frequentemente que o dito liberalismo social (como seja o norte-americano) se apropriou abusivamente de uma designação que não justifica…tudo isto são pontos que continuam a ser alvo de debate e as opiniões vão variando conforme as fidelidades políticas dos intervenientes.
Para nós, que pretendemos uma direita identitária, vitalista, reivindicativa, esses debates internos do liberalismo são razoavelmente irrelevantes. Quem se afirma contra o «sistema» deverá ter como primeira preocupação não aceitar que seja o «establishment» a ditar, nos seus termos, como nos devemos definir ou defini-lo. É preciso quebrar a ilusão, com honestidade e coerência crítica, é certo. O entendimento que se faz do conceito de «liberdade» pode dividir a tradição liberal, ninguém o nega, mas o papel e a hierarquia atribuída à ideia de «liberdade»( como se detivessem a patente) e a centralidade do «indivíduo» no corpo ideológico de todas as derivações do liberalismo é comparável, brota de uma similar concepção do mundo, aonde depois regressa, e que se traduz no conjunto de valores e anti-valores que sintetizei, de forma simples, anteriormente.
As divisões internas da tradição liberal não resultam em muito mais que nas superficiais acusações de colectivismo por parte de uns e insensibilidade social por parte de outros, não vão muito além de saber que papel cabe ao Estado, se mais minimalista, assegurando sobretudo as liberdades negativas do indivíduo, se mais interventivo, zelando por uma ideia de inclusão que garanta uma predeterminada concepção de liberdades positivas.
As contemporâneas democracias-liberais caracterizam-se pelo desinteresse da população face à participação cívica, as eleições são caracterizadas por elevadas taxas de abstenção e é habitual ouvirmos queixas de que tudo fica sempre inalterado, vença a esquerda ou a direita, e de facto, tudo fica sempre mais ou menos no mesmo, mas como poderia não ser assim quando tudo provém do mesmo?
A ideia de qualquer divisão fundamental no seio do regime é uma exacerbação, existem diferenças de opinião quanto às funções a desempenhar pelo Estado mas a mundividência é partilhada em toda a área que pode ter aspirações de poder. Derrubar as paredes desse labirinto, sair dessa matriz que se encerrou sobre a psique europeia é o verdadeiro acto de libertação, a ideia de alternância política autêntica é, desde o pós-guerra, a maior ilusão colectiva de que há memória.
As distintas ramificações que o liberalismo foi desenvolvendo não escondem a origem num tronco comum, numa mesma árvore, nascida das mesmas raízes que foram semeadas com o iluminismo, os seus ramos ocuparam todo o espaço político, os seus ramos e frutos, tal a fecundidade da árvore, conseguiram cobrir todo o horizonte, de tal forma que para se voltar a ver o sol é necessário quebrar alguns desses ramos.
Um dos chavões de estimação dos imigracionistas é o de que os imigrantes do terceiro-mundo, que invadem literalmente o Ocidente, vêm realizar trabalhos que os autóctones não pretendem fazer. Ainda que tenhamos consciência de que sob outras condições salariais, laborais (que são precisamente impedidas de concretização pela pressão que a imigração coloca sob o mercado de trabalho), o argumento cai por terra, é preciso dizer que mesmo fora desse cenário alternativo, isto é, mesmo no contexto da realidade que temos, essa é uma ideia falsa.
Mas embora seja uma ideia falaciosa não deixa de ser constantemente repetida por quem é conivente com a destruição da identidade ocidental. Ao contrário do que os imigracionistas possam pensar (e isto poderá ser um choque, aconselha-se por isso aos mais sensíveis de entre eles que parem imediatamente de ler) a verdade é que antes da entrada numerosa de imigrantes nos países europeus, os autóctones – miraculosamente – já tinham cafés, restaurantes (com empregados e tudo!), já construíam casas, pontes, estradas, colhiam os frutos da terra, conduziam transportes e sabe Deus o que mais – espantosa e inexplicavelmente, é claro. Saindo da realidade ocidental consta que até mesmo em países com políticas de imigração tradicionalmente muito restritivas, como o Japão, todo o tipo de serviços foram sendo efectuados!
Na verdade, assim como todo o género de trabalhos eram realizados antes do início da moderna vaga de imigração de larga escala para o Ocidente, continuariam a sê-lo se ela não existisse. As economias dessas nações não deixariam de funcionar, dar-se-ia um ajustamento dos salários e dos preços, apenas isso.
Curiosamente (ou não), este argumento dos imigracionistas é generalizado a todo o mundo desenvolvido, ele é usado pelos lóbis multiculturalistas em todos os países afectados pelo fenómeno, o que significa que é indiferente às regras a que estão sujeitos os subsídios de desemprego em países com modelos de funcionamento diferentes, dos mais liberais aos menos, dos que têm mercados laborais mais flexíveis às suas contrapartes. De tal modo que os próprios imigracionistas americanos o papagueiam.
Steven Camarota, do Center for Immigration Studies, analisou a questão nos EUA e chegou à conclusão que em todas as áreas onde incide maioritariamente o trabalho imigrante existem percentagens significativas de trabalhadores nacionais no desemprego, ou seja, não existem trabalhos que os nacionais não estejam dispostos a fazer. Conclui também que o desemprego de nacionais tende a ser superior nos sectores onde incide o maior influxo de imigrantes; como esses sectores são os de trabalho menos qualificado acabam por ser os cidadãos mais desfavorecidos a pagar o preço directo mais elevado da torrente imigratória. Finalmente, o estudo contesta a benignidade da permanência no país de imigrantes ilegais e o próprio aumento do número de imigrantes legais.(*)
O que é válido aqui para a realidade norte-americana é extensível, na generalidade, ao mundo desenvolvido. Também no Velho Continente existem autóctones a trabalhar em todas as áreas e também por cá existem desempregados nos sectores mais atingidos pela imigração. A questão não é, pois, que existam trabalhos que apenas conseguissem realização pela imigração mas antes que existem interesses em disputa para controlar o mercado laboral, através da afluência permanente de imigrantes.
(*)Dropping Out.
Immigrant Entry and Native Exit
From the Labor Market, 2000-2005
Tem sido consensual – com a excepção de alguns grupos mais dispostos a acenar a bandeira de Israel – considerar desproporcionada, bárbara até, a reacção do Estado judaico ao assassínio de 3 dos seus soldados (mais 5 morreriam na reacção imediata das forças israelitas) e rapto de outros dois por parte do Hezbollah, a 12 de Julho. Nos poucos dias em que o conflito se desenrolou o Estado democrático de Israel matou mais de três centenas de civis libaneses, provocou mais de um milhar de feridos, criou mais de meio milhão de desalojados e destruiu uma enorme quantidade de infra-estruturas essenciais à vida quotidiana das populações libanesas.
É certo que foi o Hezbollah a despoletar as hostilidades; o movimento pretenderia capturar soldados israelitas para posteriormente poder trocá-los com os libaneses que Israel ainda mantém nas suas prisões. No fundo existia o precedente, anteriormente o Hezbollah havia já conseguido trocar israelitas por prisioneiros libaneses e palestinianos. Mas desta vez as condições geopolíticas eram distintas e aos olhos do governo judaico abriu-se uma oportunidade; em face da presente situação estratégica na região poderia juntar-se o útil ao…desagradável (a morte e captura dos seus).
Antes de analisarmos as razões por detrás da dimensão e características da resposta israelita convém referir alguns dados particulares deste conflito. É verdade que Israel está a responder a um ataque perpetrado contra si e ocorrido na fronteira norte do país, mas este ataque foi dirigido exclusivamente a alvos militares e teve como resposta uma ofensiva desproporcionada que atingiu essencialmente alvos civis. Na lógica da moralidade muito própria imposta internacionalmente pelos EUA e seus aliados, a definição de movimentos ou acções terroristas estava em larga medida balizada pelo marco da sociedade civil, isto é, a actuação terrorista distinguir-se-ia sobretudo pela arbitrariedade que envolveria os ataques contra populações civis, os militares estariam assim cientes de que, pelo seu estatuto, encontrar-se-iam necessariamente sujeitos, sobretudo em áreas de conflito, a riscos que não poderiam ser igualmente assumidos por civis, responsabilidades distintas, naturalmente.
Por outro lado é também importante lembrar o histórico das violações fronteiriças entre o norte de Israel e o sul do Líbano. Lembremos que desde a retirada israelita do Líbano, conseguida muito graças à acção de combate do Hezbollah – o que justifica em grande parte a aura de que goza o movimento entre alguns sectores islâmicos –, Israel continuou a violar a fronteira sul do Líbano, com incursões nesse espaço, e que o Estado judaico deixou vastas áreas do sul do Líbano minadas tendo recusado disponibilizar às autoridades libanesas os mapas completos da localização dos engenhos explosivos lá colocados, o que resultou na morte de vários civis libaneses. Foi aliás numa troca de prisioneiros como a agora procurada que o Hezbollah conseguiu do governo israelita alguns mapas da localização de minas terrestres deixadas por Israel no país vizinho.
Temos assim um histórico de violações de soberania muito próprio no qual Israel não pode ser tomado como exemplo. Por outro lado, o alvo militar do ataque do Hezbollah, sem negar que a esse movimento cabem as responsabilidades imediatas no despoletar deste novo problema, por contraponto com certa arbitrariedade e clara brutalidade da ofensiva israelita sobre populações civis, leva a uma necessária reflexão sobre o epíteto «terrorista» e os critérios que estão subjacente à sua atribuição. Porque o terrorismo de Estado também existe, e pelas suas características tem um potencial de destruição superior, ainda mais protegido por uma atribuída superioridade moral que parece imune ao confronto com a realidade, como se se tratasse de um galardão ostentado por uns quantos (o amigo americano e seus aliados) para a posteridade, independentemente das suas acções.
Se a reacção israelita seria expectável o modo em que decorreu e o extremismo que assumiu espantaram o mundo. Mas existem razões objectivas que a explicam. Essa retaliação no limite da brutalidade (ou para além dele) obedece a um timing e a contingências estratégicas próprias, a agressão sofrida pelo pequeno grupo de militares judeus foi a justificação perfeita para colocar em curso, nas condições mais favoráveis, o plano de política externa divisado pelo Estado israelita, e apoiado pelos EUA, para a região.
Trata-se, antes de mais( mas não só), de forçar a implementação total da resolução 1559 da ONU, que exigia o fim da presença militar Síria no Líbano( propósito que já estava alcançado) e da sua intervenção nos assuntos internos libaneses bem como o desmantelamento das milícias armadas do país, numa clara referência ao Hezbollah.
Ora é preciso recordar que a influência síria no Líbano tem também um longo historial e recolheu durante muito tempo, mesmo junto do governo libanês, considerável apoio. Refira-se que, por exemplo Rafik Hariri, antigo primeiro-ministro libanês, supostamente assassinado por Damasco, fora durante muito tempo um claro defensor da aliança entre o Líbano e a Síria e um defensor do Hezbollah como força de protecção do país face à ameaça israelita. Embora tenha depois tomado o lado das forças anti-sírias as posições por ele anteriormente defendidas continuaram a ter eco e representantes em sectores da sociedade civil e na política libanesa.
Nesse sentido algumas notas devem ser salientadas para que se possa compreender completamente o que está em jogo. Notemos então: a ligação do Hezbollah aos sectores que apoiam a proximidade do Líbano com a Síria, a admiração sempre manifestada pelo Hezbollah em relação à revolução iraniana e a sua consequente proximidade com Teerão, o acordo de defesa assumido pelo Irão em relação à Síria, o facto de Irão e Síria serem consideradas as duas maiores ameaças aos interesses estratégicos de Israel e EUA na região, e finalmente o receio crescente que a influência iraniana e a eventualidade da emergência de Teerão como grande potência geopolítica da região está a causar em vários estados árabes, pelo medo que alguns desses governos, alinhados tradicionalmente com os EUA, manifestamente sentem em relação a um possível cenário de revolução popular.
Desta forma a ofensiva radical de Israel no Líbano tem 3 objectivos encadeados. O primeiro, abertamente assumido e que resulta naturalmente da execução da referida resolução 1559, é o desmantelamento do Hezbollah no Líbano de modo a assegurar a segurança directa do Estado judaico, objectivo consonante com a destruição do Hamas, por via da acção militar em curso simultaneamente na Faixa de Gaza, agora que o exército judaico regressou em força à região.
O segundo objectivo, que decorre directamente do anulamento do Hezbollah, passa por isolar Damasco, extinguindo toda a influência síria sobre o Líbano, algo que começou a ser realizado com a retirada das forças sírias mas que não foi completamente alcançado, uma vez que continuaram a existir milícias e forças políticas pró-sírias no panorama político libanês com a anuência do governo. A retirada das forças sírias do Líbano, na sequência do processo que ficou conhecido por Revolução dos Cedros, foi alvo da oposição do Hezbollah (Partido de Deus), que organizou o apoio popular à Síria tendo posteriormente nas eleições conseguido o seu melhor resultado.
Assim, destruir o Hezbollah não significa apenas garantir a segurança imediata da fronteira norte de Israel mas também destruir a força política e o movimento armado com maior capacidade de mobilização popular nos segmentos pró-sírios, etapa fundamental para o isolamento de Damasco. Ao erradicar a influência síria no país está dado o passo decisivo para garantir o alinhamento completo do Líbano com os EUA e Israel, implementa-se assim na região, e mais importante, num país que faz fronteira com o Estado judaico, um governo controlado pelo «Ocidente» e cujos segmentos anti-judaicos e anti-americanos perdem toda a relevância, desprovidos que ficam de capacidade armada e diplomática.
O terceiro objectivo, que não deixa de estar interligado com os anteriores e é, a nível geopolítico, tão ou mais importante, passa pelo isolamento do Irão. A força crescente de Teerão na região é motivo de preocupação para os EUA, para Israel e para vários governos de países árabes. O crescente poder de Teerão passa também pela sua influência sobre Damasco e sobre o Hezbollah – e logo, necessariamente, sobre o Líbano. Na actual conjuntura, estando a situação no Iraque e no Afeganistão por controlar e com o preço do petróleo em níveis muito elevados, não estão reunidas as condições ideais para intervir no Irão, deste modo, restringir ao máximo a ascendência de Teerão sobre outros Estados ou movimentos do Médio Oriente é um passo fulcral para aumentar a eficácia da pressão sobre o regime de Ahmadinejad. Enquanto se procura criar um cenário mais favorável a uma efectiva intervenção militar no Irão, ou pelo menos um cenário em que Teerão sinta isso como uma ameaça mais real, é essencial ganhar tempo e no entretanto cercear a capacidade de acção de Teerão na região.
É por tudo isto que a ofensiva israelita no Líbano tem a dimensão e a intensidade apresentadas. As condições reunidas e o timing não podiam ser desaproveitados. Conta com o apoio tácito dos EUA( o mesmo é dizer da «comunidade internacional»), ou até declarado, como o atestam algumas afirmações de pessoas ligadas à Administração Bush, que vê com bons olhos a hipótese de isolar ainda mais a Síria e o Irão, conta com o apoio subentendido de vários Estados árabes, beneficia de um álibi legitimador – o ataque aos seus militares –, é uma hipótese de garantir a segurança de Israel a norte, numa zona onde sempre foi particularmente vulnerável, e surge como uma possibilidade de restringir a força do Irão no Médio Oriente numa altura em que é urgente ganhar tempo face à vontade de Teerão se estabelecer como potência regional.
A verdade é que neste contexto parecem existir sobretudo dois factores a considerar no rumo desta história, e não creio que a «comunidade internacional» e as suas organizações tenham voz no assunto( a não ser que cesse a conivência americana); um será a avaliação do apoio que eventualmente o Hezbollah possa conquistar entre a população libanesa, sentindo-se esta desamparada ante a ofensiva israelita, o outro será naturalmente a reacção (ou não) do Irão e o que essa eventual reacção exigirá dos EUA.
Assim como a distinção propriamente política é a oposição entre as categorias “amigo” e “inimigo” público, da mesma maneira o contraste entre “comunidade” e “sociedade” vem a ser a distinção fundamental de todo o pensamento sociológico. Seja que uns valorizem mais a categoria de “comunidade” e outros a de “sociedade”, o certo é que ninguém escapa a tal oposição e acabam enunciando-a com diferentes termos. Assim temos: sociedade aberta e sociedade fechada em Karl Popper, comunidade e sociedade em Ferdinand Tönnies, sociedade tradicional e sociedade moderna em Max Weber, solidariedade orgânica e solidariedade mecânica em Emile Durkheim, comunidade de sangue e comunidade de eleição em Martin Buber, sociedade homogénea e sociedade heterogénea em Herbert Spencer, etc.
Há já uma década defendemos a esse respeito que:”O certo é que a ideia de comunidade enuncia no seu sentido original a participação dos homens que a compõem num núcleo aglutinado de valores (“bens”) que lhes são comuns. Ao passo que a sociedade enuncia antes a aceitação por parte dos seus membros de um conjunto de normas (“deveres”) que regulam a relação entre eles” (Alberto Buela,1987). Notamos como a teoria liberal coloca, como o fez desde Kant a Rawls, a primazia do “dever e do direito” sobre o “bem”, enquanto a teoria social-comunitária desde Aristóteles a McIntyre outorga a prioridade do “bem” sobre o “direito”.
A ideia de comunidade supõe a existência de bens ou valores que são comuns ao seus membros e dado que ante os valores existem apenas duas atitudes: preferi-los ou preteri-los – não há lugar para a conduta neutra como a proposta liberal de Estado neutro –, a vinculação dos membros na comunidade é existencial.
A ideia de sociedade está vinculada à de contrato social enquanto a de comunidade à de "estado" social. A solidariedade é subjectivamente sentida pelos seus membros (Weber) enquanto na sociedade se limita ao prescrito pelas normas legais e pode, no máximo, entender-se como filantropia. A noção de sociedade está relacionada com a ideia de “humanidade civilizada e progressista” própria dos filósofos do iluminismo (Diderot, Condorcet, Montesquieu, Kant, Herder, Goethe, Schiller, Schaftesburg, etc.) enquanto o conceito de comunidade refere-se sobretudo à união orgânica e natural do homem à sua pátria (*).
A sociedade, na definição clássica do sociólogo Ferdinand Tönnies (1855-1939), é um círculo de indivíduos que, apesar de viverem pacificamente uns ao lado dos outros, não estão “essencialmente unidos, mas essencialmente separados” (1944). Numa palavra, a ideia de sociedade vincula-se à de capitalismo demo-liberal-burguês, onde a satisfação egoísta das necessidades do homem-indivíduo deixa de parte toda a referência ao próximo, enquanto que a categoria de comunidade vincula-se com a de sociedade pré-moderna.
Do ponto de vista filosófico foi Hegel (1770-1831) que nos brindou com a mais profunda caracterização de sociedade quando na sua Filosofia do Direito no-la descreve e logo nos mostra a sua superação pela ideia de comunidade.
Excerto de "Comunitarismo e Poder Político", de Alberto Buela
(*)Embora Buela seja professor de filosofia a inclusão de Herder naquele grupo de filósofos não me parece a mais correcta.Creio que mesmo os nomes de Goethe e Schiller só poderão ser ali incluidos na sua fase pós "Sturm und Drang".
A última edição da revista Visão publicou um dossier, intitulado "Alerta skin", procurando apresentar o movimento skinhead aos seus leitores. Embora a quase totalidade dessa reportagem seja centrada nesse fenómeno específico surgem também associadas as habituais extrapolações e considerações sobre o movimento nacionalista na sua generalidade, a maioria reveladoras de manifesta ignorância ou, quiçá pior, da mais descarada má-fé.
Apenas a título de exemplo, porque outros encontramos por lá, um dos jornalistas encarregues desse caderno explica-nos que o PNR é um partido neo-fascista, e prova-o através de um brilharete na arte do raciocínio indutivo afirmando que esse partido tem uma doutrina corporativista, e acrescenta: «o seu símbolo é aliás, um facho».
Primeiramente não se percebe que doutrina corporativista é a do PNR, uma vez que o programa do partido não a defende, mas enfim, entende-se que a tentativa de fascizar a organização necessitasse desse exercício de criatividade artística. E depois a conclusão que reforça a evidência fascista é de ir às lágrimas; o símbolo do partido é um facho!
Leram bem, a chama, ou o facho, segundo a definição do jornalista “alistado”, passou a ser o símbolo fascista. Facho…fascista, óbvio! Não sei como classificar isto, bastaria até uma passagem pela Wikipedia para saber que o símbolo do fascismo não era uma chama, ou o tal facho, mas sim um fascio, que é algo completamente diferente.
Reparemos no que diz a Wikipedia, até porque a parte final do texto ganha um redobrado sentido irónico em face do remate do jornalista da Visão: «A palavra fascismo deriva de 'fasces lictoris' (latim) ou de 'fascio littorio' (italiano). Trata-se de uma espécie de cilindro, composto de um feixe de varas ligadas à volta de um machado. Simboliza a força da união em torno do chefe. Era usado na Roma Antiga, associado ao poder e à autoridade, em cerimónias oficiais - jurídicas, militares e outras. Na década de 1920, foi adoptado como símbolo do Fascismo, em Itália.
Obs.: Não se deve confundir com "facho", que se usa como equivalente de chama em "facho olímpico", por exemplo, e que é um dos símbolos das Olimpíadas.»
Caso o douto escriba não conseguisse ainda assim entender a diferença a própria Wikipedia traz uma figura de um fascio, para que se possa visionar a diferença entre uma chama e o referido objecto. Quem não lê… vê os bonecos.
Mas chamou-me sobretudo a atenção nessa reportagem uma caixa final que denuncia claramente, embora de forma inadvertida, o sentido de serviço de quem a elaborou. Um pormenor que explica o jornalismo de causas que vamos tendo e do que é esse jornalismo tributário, particularmente evidente quando concerne à análise do nacionalismo como um todo.
Diz então o jornalista: «No artigo 46.º, a Constituição portuguesa estipula que não são consentidas organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista. São, pois, proibidas as organizações de extrema-direita. Porquê estas e não as de extrema-esquerda? Por duas razões. A primeira, de carácter interno, é que Portugal sofreu 48 anos sob uma ditadura de direita, sendo a Constituição de 1976 o fruto da revolução que abalou essa estrutura repressiva, dessa festa que as gerações mais novas não viveram e cujo alcance dificilmente imaginam. A segunda razão é de carácter geral: os fascismos espalharam o terror na Europa, arrastaram o mundo para a II Guerra Mundial e saíram derrotados. É, pois, natural que o seu banimento esteja consignado na lei da maioria dos países.»
Este pequeno comentário tem matéria de discussão suficiente para escrever um livro mas não é obviamente num espaço como este que se poderia processar uma reflexão de fundo sobre tudo o que deste texto se poderia dizer. Fiquemos por isso por algumas questões que me merecem atenção mais imediata.
Antes de mais podemos dizer em relação ao artigo constitucional que, não havendo entre os especialistas do fenómeno uma convergência razoável sobre uma possível taxonomia do fascismo, a definição do que é uma organização que perfilhe a ideologia fascista permite um tal grau de amplitude classificativa que facilitará a arbitrariedade no julgamento do que poderá ser ou não uma organização desse cariz. Mas à questão da Constituição chegaremos mais à frente. Por ora atentemos nas conclusões do jornalista da Visão.
O que desperta imediatamente a atenção é um indisfarçado posicionamento político do autor no que respeita à relação extrema-direita/extrema-esquerda. De tal forma que, de modo paternalista (típico da esquerda), nos explica, a nós os ávidos de compreensão, porque são justificada e apropriadamente proibidos partidos de extrema-direita e porque é licita e naturalmente permitida a existência de organizações de extrema-esquerda, não escondendo, ou legitimando, a sua concordância com esta realidade.
Note-se também, por uma questão de rigor, que a associação que o jornalista faz entre organizações racistas e/ou de cariz fascista à extrema-direita é abusiva ou, se quisermos, prima pela inexactidão, já que aquilo que tradicionalmente se entende por extrema-direita compreende movimentos que não são racistas ou fascistas. Mas adiante…
O autor começa por afirmar: «São, pois, proibidas as organizações de extrema-direita. Porquê estas e não as de extrema-esquerda? Por duas razões. A primeira, de carácter interno, é que Portugal sofreu 48 anos sob uma ditadura de direita, sendo a Constituição de 1976 o fruto da revolução que abalou essa estrutura repressiva, dessa festa que as gerações mais novas não viveram e cujo alcance dificilmente imaginam.»
A Constituição de 1976 é o fruto de uma revolução que abalou a estrutura repressiva da ditadura de direita, dessa festa que as gerações mais novas não viveram nem podem imaginar…de facto é verdade, as gerações mais novas não viveram essa realidade e é por isso que estão habilitadas, a partir do sistema de ensino, da comunicação social( e o jornalista em causa é um bom exemplo disso) e de outras instituições deste regime, a que lhes seja criada essa imaginação colectiva sobre o terror repressivo do salazarismo e os supostos feitos heróicos dos bravos revolucionários, sem que sejam confrontadas com um outro lado da História. De tal forma é eficaz esse exercício de construção de um imaginário colectivo sobre as gerações mais novas que a maioria dos que não viveram esses acontecimentos ficam guarnecidos com todas as certezas e sem qualquer vontade de procurarem a contradição, que lhes permitiria ao menos tentar fazer uma avaliação crítica do que lhes é enfiado cabeça dentro pelos fazedores de opinião, de imaginação e de História.
Mas o que é que nos diz essa razão de carácter interno, ou particularista, sobre a proibição das organizações de extrema-direita (como lhes chama o autor) e a existência de organizações de extrema-esquerda? Nada. Não permite qualquer juízo de valor geral sobre a dicotomia extrema-direita/extrema-esquerda.
Notemos que pela mesma lógica se justificam as proibições e restrições legais que pendem sobre organizações de extrema-esquerda em países como a Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, República Checa ou Hungria. O que pensará disto o autor do texto? Certamente não tendo vivido o terror repressivo que a extrema-esquerda impôs nesses países e a “festa” que as gerações da libertação viveram advogará essas restrições legais, por uma questão de coerência. Ou não? Suspeito que talvez não.
O que é que se conclui sobre a justiça deste tipo de proibições assentes em razões particulares? Que não há que temer a filiação totalitária da extrema-esquerda nos países onde vigorou a repressão de direita e não há que recear a extrema-direita nos países onde vigorou o terror de esquerda? Nenhum juízo sério sobre a natureza comparativa da extrema-esquerda e da extrema-direita pode ser baseado em razões históricas particulares e parciais. As razões internas, para usar o termo do jornalista, não são, pois, um critério válido para emitir qualquer juízo crítico sobre o valor intrínseco, ou a virtude, da extrema-direita por comparação com a extrema-esquerda, já que não podem servir de base a uma concepção normativa de cariz “genérico” sobre qualquer dos dois fenómenos.
A única conclusão que retiramos daqui é que a História é sempre escrita pelos vencedores, que impõem a sua própria lei. Nada de novo, verdade seja dita.
Depois o jornalista segue com a razão de carácter geral para o banimento das forças de “extrema-direita”: «os fascismos espalharam o terror na Europa, arrastaram o mundo para a II Guerra Mundial e saíram derrotados. É, pois, natural que o seu banimento esteja consignado na lei da maioria dos países.»
Na verdade a razão de fundo está lá, uma vez mais é o facto de terem saído derrotados na II Guerra Mundial a explicar esse banimento, ou seja, regressamos à razão de contingência: o acaso da História determina que se imponha a lei e a verdade dos vencedores. Mas noto, novamente, que por si só isto não subentende qualquer juízo normativo sobre a justeza dos fascismos ou dos seus oponentes, apenas uma determinação circunstancial.
O que é curioso neste excerto é a defesa desse banimento pelo “terror espalhado pelos fascismos”. Então é esse terror que justificaria valorativamente, na generalidade, e já não numa dimensão meramente particular, o banimento das organizações fascistas e a legalidade das organizações que perfilham ideologias de inspiração marxista?
Vale assim a pena recordar ao autor de tão clara lógica que os regimes de inspiração marxista foram responsáveis pela morte de cerca de 100 milhões de pessoas onde foram implantados, entre execuções sumárias, mortos em campos de concentração (pois, não foram só os “outros” a mantê-los e aliás não foram sequer os “outros” a inventá-los), vítimas de deportações e outras práticas do mesmo jaez. E lembremos que vários estudiosos consideram que estes números são estimativas por baixo face a uma realidade ainda mais sanguinária.
Vale a pena recordar que nestes regimes o clima de repressão e terror atingiu níveis inauditos, e certamente sem comparação possível com a “ditadura de direita” que governou Portugal antes da revolução.
A título meramente exemplificativo, e porque para um tratamento exaustivo existem inúmeros documentos disponíveis no mercado, no campo de concentração de Kronstadt, em apenas 1 ano morreram 5000 dos 6500 detidos!
Explique-nos lá novamente o jornalista da Visão como se fundamenta de forma coerente e estruturada, assente numa concepção normativa com carácter “universal”, a distinção legal entre extrema-esquerda e extrema-direita. Porque, francamente, a única coisa que conseguiu ao tentar justificar o injustificável foi revelar que causas serve. Na verdade a distinção justificada remete-nos para a diferenciação entre as boas chacinas e as más, os que assassinam milhões em nome do “humanitarismo”, da “igualdade”, de todos os “oprimidos”, e os que só podem matar por “ódio”, por “vileza”, representantes de toda a “brutalidade”. Pois…nós conhecemos os chavões. A boa tirania e a má. Velha história…
Ainda a este propósito relembre-se que a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa votou favoravelmente em Janeiro deste ano a condenação internacional dos crimes dos regimes totalitários comunistas, com 99 votos a favor, 42 contra e 12 abstenções, entre os votos contra e as abstenções figuraram votos de diferentes forças de esquerda. Nessa resolução era pedido que os partidos de ideologia comunista e pós-comunista se distanciassem claramente desses crimes, reconhecendo-os e reprovando-os, algo que os comunistas e seus derivados em Portugal se recusaram a fazer, reagindo, ao invés, com a habitual histeria de vitimização e legitimando de forma manifesta as atrocidades cometidas por aqueles que, no fundo, sempre foram e continuam a ser os seus exemplos de actuação.
Lembremos igualmente que recomendações que acompanharam essa resolução e que incentivavam a tomada de medidas efectivas por parte dos governos europeus, saindo portanto da dimensão simbólica da resolução aprovada, foram rejeitadas, já que necessitavam de uma maioria qualificada de 2/3,impossível de atingir pela oposição dos diferentes grupos parlamentares da esquerda europeia. As boas consciências e as velhas fidelidades ideológicas.
E porque há memórias na nossa imprensa que são especialmente selectivas recuemos até Maio de 2005 quando o Parlamento Europeu votou favoravelmente uma resolução condenando as ditaduras comunistas e o regime soviético. Nessa resolução é dito que o comunismo deve ser condenado da mesma forma que o fascismo.
Como referiu um deputado francês na altura em que se debateu a resolução de Janeiro de 2006 na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, a actuação criminosa dos regimes de inspiração marxista nada tem a invejar à que é atribuída aos fascismos, com a diferença que esta última não é passível de discussão ou revisão, porque tendo perdido a guerra o fascismo perdeu também a voz, porque a análise dos crimes que lhe são atribuídos está enquadrada por uma legislação repressiva como nenhuma outra, que leva facilmente à prisão ou ao ostracismo.
E a diferença é também que face a estas resoluções reinou o silêncio cúmplice na generalidade da comunicação social europeia, e na portuguesa em particular. É sobretudo revelador que várias organizações marxistas e neo-marxistas se tenham insurgido contra elas, assim como é revelador que continue a ser livremente exercido o revisionismo histórico sobre as chacinas da extrema-esquerda, no mundo académico e jornalístico, com total impunidade e até notório encorajamento quando, pelo contrário, o “revisionismo fascista” destrói vidas e leva pessoas ao encarceramento por crimes de pensamento, como acontecimentos recentes continuam a provar.
A realidade é que, por mais voltas que se dê, o artigo 46.º da Constituição é impróprio de qualquer regime que se pretenda exemplo de uma democracia-liberal. Estas, dizendo-se herdeiras dos princípios filosóficos liberais, seriam caracterizadas pela liberdade de associação, liberdade de expressão e pluralismo político. Exactamente tudo aquilo que esse artigo constitucional restringe. E, o que é pior, fá-lo de forma arbitrária por comparação com o tratamento dado a organizações historicamente associadas a regimes totalitários como os de inspiração marxista.
É uma Constituição inaceitavelmente politizada, fruto da habitual sanha persecutória dos marxistas e socialistas de todos os géneros, que no período pós-revolucionário detiveram um enorme poder sobre a política nacional. É um texto que não pode jamais representar a nação como um todo e que não respeita o princípio elementar que se exigiria de uma Constituição própria de uma democracia-liberal, a neutralidade política e a garantia de real liberdade para a participação dos cidadãos na vida pública.
Eu, que não sou herdeiro do pensamento liberal (e para que conste, porque essa confusão é frequente, não estou a falar de economia), exijo apenas desta democracia uma definição. Das duas uma, ou consigna de facto essa liberdade política e se assume como uma real democracia-liberal eliminando o nº4 do artigo 46.º, repressivo e excludente, ou deixa cair definitivamente a máscara da hipocrisia e admite que não é esse o seu modelo…
Já me contentava com a última alternativa, porque apesar de tudo o mais execrável é o cinismo e a falsidade com que este regime se auto-caracteriza. Se admite que limita a liberdade dos seus adversários fica claro que, tal como os regimes ditos totalitários restringiam legalmente a acção dos seus inimigos, também este o faz, de forma menos feroz é certo, porém mais requintada e claramente mais eficaz. A diferença passa assim a ser sobretudo de método e não de princípio.
Mas se é este o caminho então há que exigir ao menos alguma coerência, que limite, pois, a liberdade de todos aqueles que historicamente foram seus oponentes, incluindo os marxismos, e não apenas de alguns, que exista um critério congruente, caso contrário, para além de politizada assume a ausência de um preceito moral perceptível para além da contingência, do acaso.
É essa definição que é necessária, se se pretende uma Constituição própria de uma democracia-liberal e dos seus princípios, se é esse o seu arquétipo, então o nº 4 do artigo 46.º não tem justificação. Se assume que não é essa a sua natureza e deixa visível o seu carácter excludente,diferindo apenas nos processos em relação a regimes opostos, resta a escolha entre um critério de exclusão coerente face a tudo o que ameace a sua perpetuação ou a arbitrariedade que vigora neste momento. No fundo a menos sustentável de todas as opções.
Na pluralidade ruidosa e multiforme que caracteriza o sistema – pluralidade de todos os modos ilusória, que tende a mascarar a substancial convergência das suas formas – destaca-se, pela unanimidade que o rodeia, o tema dos «direitos humanos».Hoje em dia não há ninguém – ninguém – que se atreva a declarar-se publicamente contrário à moral dos direitos do homem e à filosofia que se encontra na sua base. Isto é facilmente constatável somente observando o «debate» que tem caracterizado estes dias de guerra, debate essencialmente destinado a demonstrar se o melhor modo de exportar ao mundo os valores «universais» dos direitos do homem é mediante a utopia cosmopolita e pacifista à maneira da «Emergency» ou mediante o precipitado pragmatismo yanqui à maneira de Bush. Duas perspectivas, como se vê, tão distantes e no entanto tão próximas. Nenhuma das duas, em qualquer caso, se distancia dos mesmos valores de fundo e da mesma ideologia implícita. Os direitos humanos continuam sempre a ser o substrato, assumidos tacitamente como valor supremo.
Compreender a essência desta religião moderna, descobrir as suas origens e desenvolvimento parece-nos, portanto, essencial para quem queira hoje situar-se em contraposição ao sistema sem ter as suas armas obstruídas à partida encontrando-se entre aqueles que combatem o fogo com gasolina.
Genealogia da doutrina dos direitos humanos
Os «direitos do homem» são a suprema expressão do igualitarismo, isto é, daquela tendência histórica que nasce e se afirma pela primeira vez na História com o judeo-cristianismo e, posteriormente, resulta historicamente nas suas variantes laicas (democracia-liberal, comunismo, mundialismo, etc).
A fase originária – a que Giorgio Locchi chamava fase «mítica» (1) – do igualitarismo contém já em si todos os seus desenvolvimentos futuros, ainda que de forma latente e não expressa. Isto serve também para a doutrina dos direitos humanos. Adverte Stefano Vaj (2), de facto, que o monoteísmo judeo-cristão contém, na sua primeira formulação, todos os postulados teóricos que se encontram na base da moderna doutrina dos direitos do homem: a crença num direito natural cuja validez transcende todo o direito positivo concreto e que é expressão de uma moral objectiva e universal, a afirmação da prioridade do indivíduo sobre toda a comunidade orgânica, afirmação directamente consequente da ideia de salvação individual; a crença na existência de uma «pessoa humana» independente de toda a determinação concreta, isto é, a primazia do «Homem» tout court sobre os «homens» historicamente situados, a mentalidade universalista e cosmopolita que considera o género humano como uma unidade indiferenciada face à qual toda a pertença é um acidente que pode ser olvidado. Todos estes mitemas estão contidos de modo claro e explícito na formulação originária da tendência histórica igualitarista, isto não quer dizer, no entanto, que na Bíblia se encontre expressa, também de modo explícito, a mesma ideia de direitos humanos que conhecemos hoje. Para chegar a isto o igualitarismo deve desenvolver-se totalmente, atravessando e consumando até ao fundo a sua fase «ideológica» – usamos sempre a linguagem de Locchi – a fase, portanto, em que as diferentes ideologias humanas, nascidas do mesmo seio, se contrapõem umas às outras.
É esta a fase histórica que coincide com o período que vai da afirmação do protestantismo até ao final do Oitocentos. Neste arco de tempo as distintas formas ideológicas do igualitarismo, esquecendo-se da sua origem comum, combatem-se, reivindicando cada uma a primazia na afirmação da mesma visão do mundo. Os fundamentos teóricos da doutrina dos direitos humanos surgem de modo cada vez mais evidente no interior da reflexão igualitarista ( pensamos em Grócio, em Locke, em Kant, na Constituição dos EUA, nas declarações solenes da França pós-revolucionária, nos ideais da irmandade universal que constantemente emergem na tradição marxista, etc.), e no entanto, não se está em condições de «recompor a ruptura», para dizer como Benjamin.
O que falta? É óbvio: falta um inimigo absoluto ante o qual coligar-se e reencontrar a unidade perdida. Este inimigo, quase não é preciso dizê-lo, está representado pelo surgimento na cultura europeia de uma tendência nova, anti-igualitarista e anti-humanista, que se cristaliza logo politicamente nos movimentos fascistas europeus. É na guerra contra o fascismo que o igualitarismo encontra a sua síntese final debaixo da bandeira dos «direitos humanos». Esta unidade reencontrada terá a sua celebração na farsa judicial de Nuremberga. Todo o pós-guerra, servirá depois para expulsar todo o «resíduo ideológico». Neste sentido compreende-se o afã – entre arrependimentos, conversões, mudanças de opinião e psicodramas – dos «progressistas» em busca, durante toda a metade do Novecentos, de um comunismo «de rosto humano», de um ideal de emancipação depurado finalmente de toda a veleidade revolucionária, de todo o impulso de heroísmo, de toda a tentação autoritária. Encontrarão tudo isto no culto dos direitos humanos, verdadeiro ponto de convergência de todas as ideologias igualitárias, velhas e novas, lugar de abrigo para todos os que abandonaram os hábitos da revolução e para os maoistas em crise de consciência. 1989, ano da queda do muro de Berlim – e bicentenário da revolução francesa – representará portanto a data do triunfo da doutrina dos direitos humanos como nova religião laica do Sistema.
Triunfo de uma moral
Havido sido definitivamente elevada a «horizonte moral dos nossos tempos» ( Robert Badinter), a religião dos direitos humanos celebra hoje o seu triunfo e a sua expansão planetária. Vírus ideológico pela sua capacidade etnocida quase total, esta moral presumidamente universal proporciona a armadura ideológica a um neo-colonialismo que em lugar do «fardo do homem branco» tem hoje como justificação um cocktail devastador de messianismo e hipocrisia.«Tratando de impor uma norma moral particular a todos os povos (a religião dos direitos humanos) pretende voltar a dar uma boa consciência ao Ocidente permitindo-lhe instituir-se uma vez mais como “modelo” e denunciar os “bárbaros” que rejeitam este modelo» (3). A destruição dos povos passa também a partir daqui pela imposição a nível planetário dos «valores» ocidentais e pela consequente desintegração de todo o vínculo orgânico, de toda a tradição particular, de todo o resto de comunidade – obstáculos todos eles à tomada de consciência da nova «identidade global» por parte do cidadão da era da globalização.«Como edificar a sociedade multirracial? Evidentemente extirpando toda a identidade precedente( e, portanto, toda a diferença). A eliminação das diferenças é o a priori transcendental, a condição de possibilidade da sociedade multirracial. Mas como preencher este vazio? Recorrendo necessariamente a um instrumento abstracto( e, portanto, ideológico).E então: o Direito é a resposta; unir todos os homens através do Direito» (4) … A resposta é óbvia: através da concepção abstracta e anti-política dos direitos do homem. Se a globalização é o nosso destino – como diz a vulgata – então os direitos do homem contêm em si uma verdade para-religiosa, são verdadeiramente a expressão de uma moral que tem o seu fundamento num renovado «sentido da História».Pretendo-se verdade auto-evidente (Cfr. A Declaração de Independência dos EUA: «consideramos como verdade evidente por si mesma que os homens nascem iguais…») a moral dos direitos humanos faz-se dogma, protege-se de todo o questionamento. Quem se opõe, portanto, ou inclusive quem simplesmente ostenta indiferença, situa-se contra uma espécie de verdade indiscutível, contra uma espécie de Lei inerente à História; é um herege, um blasfemo, um inimigo do Homem. Daí o ardor inquisitório por parte da «nova classe» contra povos e indivíduos culpáveis de transgredir os dogmas do politicamente correcto.
Então?
Abandonemos os lugares comuns induzidos pelo Sistema: Rejeitar a doutrina dos direitos humanos não significa tomar partido pelo extermínio, a injustiça ou o ódio. Diga-se o que se disser na Declaração Universal, não é o reconhecimento de tal doutrina que funda «a liberdade, a justiça e a paz no mundo». Liberdade, justiça e paz já existiam antes que a expressão «direitos humanos» tivesse algum sentido. O reconhecimento dos direitos humanos, por si mesmo, não funda, na realidade, nada mais que o tipo de justiça e liberdade que, tautologicamente, se encontram expressos… na própria doutrina dos direitos humanos! Pese o facto de que os defensores de tal doutrina continuem a pensar que «inventaram a felicidade» é preciso manter com firmeza que outra justiça, outra liberdade, outra paz, são possíveis. Opor-se aos direitos humanos significa rejeitar uma moral, uma antropologia, uma certa ideia das relações internacionais e da política, uma visão do mundo global herdeira de uma tendência histórica bem identificável; hoje em dia «é o primeiro gesto subversivo fundamental que se impõe a quem queira tomar posição para regenerar a História contra o universalismo mercantilista e ocidental» (5).
Adriano Scianca
Notas
(1) Cfr Giorgio Locchi, Wagner, Nietzsche e il mito sovrumanista, Akropolis, Roma 1982.
(2) Stefano Sutti Vaj, Indagine sui diritti dell’uomo, LEDE, Roma 1985.
(3) Robert de Herte, Un instrument de domination, em Eléments n. 107, Dezembro de 2002.
(4) Giovanni Damiano, Elogio delle differenze, Edizioni di Ar, Padova 1999.
(5) Stefano Sutti Vaj, op.cit.
Orion, número 226, Julho de 2003.
1-O Batalha Final continuará a ser um blog assumidamente nacionalista e, dentro dessa área, manter-se-á fiel aos princípios e tradições que o têm guiado desde a sua criação.
2-Acredito que o combate nacionalista é um combate político e acredito que o poder político é reflexo da influência que as ideias têm na sociedade. Assim sendo, qualquer vitória no campo político é necessariamente antecedida pela ascendência e disseminação de um conjunto de ideias numa sociedade. A eficácia da difusão e consolidação de um ideário numa comunidade exige um trabalho em planos diferentes. É importante reconhecer o papel da doutrina para o escol mas igualmente a importância complementar da “política real”, pragmática, para o cidadão comum, fundada sobre as suas preocupações quotidianas.
3- Por triunfo político não entendo necessariamente, ou exclusivamente, um triunfo partidário nas urnas. Uma vez que os partidos políticos, e outras organizações que intervêm na sua órbita, são também receptores dos anseios e pensamentos que emergem da sociedade eles podem ser movidos para posições determinadas e distintas em ordem a responderem a pressões ou tendências sociais. Daí também a importância de influenciar ideológica e culturalmente o corpo social. Embora este combate cultural deva, idealmente, ter um partido que funcione como expoente institucional da absorção e difusão de ideias essa não é uma condição sine qua non, pelo menos no curto-prazo.
4- Acredito que um partido não pode ser invisível para a sociedade mas rejeito em absoluto a ideia absurda de que «toda a publicidade é boa publicidade», muito menos no que concerne à arena política. Nesse sentido entendo que um partido tem obrigatoriamente que gerir a sua imagem, surgindo perante o público, sem dúvida, mas definindo sempre os timings, os assuntos e os contextos dessa aparição pública. Por consequência deve saber escolher a melhor forma de passar a sua mensagem, atendendo à linguagem e à imagem. Um partido que não compreenda a sociedade em que se insere estará eternamente condenado a celebrar ilusórios e efémeros triunfos quando os momentos são de retumbantes e reais derrotas.
5- Não sou nem nunca fui filiado em qualquer partido político. Foi porém, neste espaço, assumido o meu apoio público ao PNR, enquanto eleitor, e às suas iniciativas. Não seria portanto correcto afirmar que fui apartidário.
6- Nos últimos dias manifestei, noutro local, divergências fundamentais face à estratégia política do PNR. Em virtude do exposto nos pontos anteriores, e porque penso que tendo do combate nacionalista uma perspectiva muito diferente da adoptada pelo PNR não seria justo manter qualquer tipo de ligação ao referido partido, o Batalha Final sofre uma reorientação passando a ser um blog completamente apartidário.
7- Em consequência do que fica dito no ponto anterior nenhuma posição expressa por mim neste blog pode, de forma alguma, responsabilizar o PNR. Obviamente o inverso é igualmente verdade.
Acredito
Acredito que o homem moderno é um projecto de desnaturação do homem e da criação. Acredito na diferença entre os homens, no malefício de algumas formas de liberdade, na hipocrisia da fraternidade. Acredito na força e na generosidade. Acredito noutras hierarquias que não a do dinheiro. Vejo o mundo corrompido pelas suas ideologias. Acredito que governar é preservar a nossa independência, depois deixar-nos viver à nossa vontade.
Novo mundo
A alienação face a um pensamento correcto implica necessariamente a submissão a uma atitude correcta, que na sociedade de consumo compreende a boa vontade face às instituições, o optimismo democrático, a ambição de ser semelhante aos colegas e de aspirar a ser o favorito do chefe, a satisfação de ser um bom cliente e um bom cidadão, empenhado em conseguir dinheiro para comprar cada vez mais coisas que nos são inúteis. Tudo isto a título individual mas cedendo cada vez mais as nossas responsabilidades (políticas, sociais, económicas, ecológicas, familiares, municipais…) a um Estado-Sistema que sofre um acelerado processo de privatização multinacional. A consciência industrial é completada com uma educação industrial que encaminha os seus esforços para fazer de nós uns consumidores teleguiados. A administração e os tecnocratas, menos hipócritas que os académicos, falam de nós como “sujeitos” ( no sentido de “sujeitar”, “reprimir”, “dominar”) e classificam-nos como “recursos humanos”, esta é uma sociedade onde não existem virtudes mas antes normas.
Liberalismo, Marxismo e a demanda da liberdade
A hipocrisia da sociedade liberal e a hipocrisia da sociedade marxista criam finalmente um igual mal-estar e uma igual repulsa. Porque tanto a sociedade liberal como a sociedade marxista mentem e ambas propõem um falso ideal que encobre umas vezes a lei implacável do lucro e da exploração e outras a ditadura imbecil da caserna. E as suas mentiras, as suas falsas posições provêm daquilo que ambas tomaram por fundamento de toda a estrutura, o económico e não o homem. Elas propõem-nos duas escravaturas diferentes do económico que, no final, acabarão por se assemelhar, todos os “trusts”, do Estado ou de Bancos, não são mais, no fundo, que uma única mecânica. Ora, o que é importante é o destino que se dá ao homem. E neste destino há alguns elementos inatacáveis, porque são a essência da natureza humana. É preciso que o homem seja chefe de família, é preciso que o homem tenha uma casa e que a erga ao seu gosto, é preciso que o homem tenha um trabalho e que goste desse trabalho, que o faça com prazer e que o fruto desse trabalho lhe seja remunerado lealmente. Nestas condições o homem vive, conduz a sua vida de homem livre, ele não é espoliado da sua existência. E o Estado não existe senão para lhe assegurar as condições desta existência que são as próprias condições da liberdade.
Aos últimos europeus
As palavras (…) enganam-nos, as palavras sobretudo. Dizem-nos:”É o fascismo que é preciso abandonar no mar dos mortos”. Não é apenas o fascismo que vejo perder-se no horizonte. É todo um continente que nós abandonamos. E as palavras não servem senão para disfarçar o êxodo. Os fumos que se elevam das cidades da planura impedem-nos de ver as colinas felizes que deixamos para sempre.
O que importa para o futuro não é a ressurreição nem de uma doutrina nem de uma certa forma de Estado, ainda menos de um autoritarismo ou de uma polícia, é o regresso a uma certa definição do homem e a uma certa hierarquia. Nesta definição do homem, estabeleço as qualidades que referi; o sentido de honra, a coragem, a energia, a lealdade, o respeito pela palavra dada, o civismo. E esta hierarquia que ambiciono é aquela que coloca estas qualidades para lá de todas as vantagens dadas pelo berço, a fortuna, as alianças, e que escolhe a elite apenas em função das suas qualidades.
A autoridade no Estado não é mais que o respeito por estas qualidades e por esta hierarquia. Ela pode dotar-se de muita tolerância quando este reino dos melhores é estabelecido. Ela não exige a perseguição ou a evicção de ninguém. Mas creio que nenhuma nação, nenhuma sociedade, pode durar se os poderes que assentam sobre outros méritos que os que referi não forem essencialmente precários e subalternos. Toda a nação é conduzida, certamente, mas toda a nação se comporta igualmente de uma certa forma, toda a nação tem uma certa conduta, nobre ou baixa, generosa ou pérfida, como dizemos de um homem que tem uma boa ou má conduta. Um dos nossos erros actuais é admitir demasiado facilmente que estas coisas não têm qualquer importância. Queixamo-nos a cada dia da imoralidade e não nos dignamos a perceber que destruímos nós mesmos, ou deixámos destruir, toda uma parte das bases da moral, que as destruímos ainda a cada dia. As raízes que firmámos no lugar das grandes árvores abatidas definham e secam. E queixamo-nos de avançar num deserto.
Reconstruímos as pontes, as fábricas, as cidades que as bombas haviam arrasado, mas não os valores morais que a guerra ideológica destruíra. Neste domínio estamos ainda perante um amontoado de ruínas. Insectos habitam estas ruínas, encontramos lá vegetação desconhecida, encontramos visitantes estranhos. O vazio moral que criámos não é menos ameaçador para o nosso futuro que o vazio geográfico que deixámos instalar no coração da Europa, mas não o percebemos.
Ninguém se interessa. Há muita gente que se aproveita deste vazio moral no qual encontra vantagens. Não têm talvez ilusões sobre o seu futuro mas pensam que este interregno durará tanto quanto eles. Isso chega-lhes. Temem o tempo incómodo em que a coragem faz clamor, em que a energia se exibe, em que a lealdade é condecorada. Não gostam dos edificadores deste cenário. Consideram um pouco caro o preço que lhes pedimos pela sua segurança, o perigo não lhes parece premente. É de facto assim que se raciocinava em 1939.
Mas sobretudo as fantasias que lhes inculcaram no cérebro agitam o seu sono: vêem cavalos negros surgirem no céu. A coragem, a energia, a lealdade, parecem-lhes grandes palavras inquietantes. Este vocabulário de professor de ginástica finda em Esparta, a criança à raposa, os soldados do ano II, Robespierre, os canhões que substituem a civilidade, e Napoleão que acaba sempre por surgir sob o jacobino Bonaparte. Estas brumas nos seus cérebros não são alheias ao seu desencorajamento.
E se tanta gente se sujeita à operação que se faz aos gatos selvagens para transformá-los em gatos domesticados é, em grande parte, porque não vêem muito bem para que pode servir aquilo que lhes retiram: pensam mesmo, confusamente, que aquilo não pode servir senão para coisas ignóbeis.
Extractos de «Sparte et les Sudistes»,Maurice Bardèche, Les sept couleurs, 1969
A RTP emitiu nesta terça-feira uma reportagem intitulada «Quando a violência vai à escola»; um quadro negro do estado a que chegou este país, da cultura de total desrespeito pela autoridade – resultado prático de anos e anos de labuta ideológica árdua e permanente de marxistas, neo-marxistas e socialistas -, do processo de autêntica substituição populacional que está completado com sucesso em determinadas zonas de Lisboa( algumas das salas de aula mostradas na reportagem aparentavam não ter quaisquer alunos portugueses) e da mais-valia que a diversidade étnica tem trazido à nossa sociedade.
Para mim nada daquilo foi surpreendente e creio que só se espantou com o que ali foi mostrado quem não faz ideia do que é hoje a zona colonizada que foi outrora a capital de Portugal, ou porque vive fora de Lisboa, ou porque, vivendo em Lisboa ou arredores, não costuma andar de transportes públicos, tem os filhos em colégios particulares, vive em condomínios luxuosos, em zonas elitistas, enfim, consegue, de certo modo, por via de uma específica condição social, passar ao lado da realidade quotidiana da insegura e nauseabunda cidade.
Apreciei a preocupação da RTP em assegurar que em momento algum escola, alunos ou docentes pudessem ser identificados, desfocando as imagens da pequena barbárie que ia exibindo; agressões entre alunos, ameaças a professores, por parte dos «jovens» e dos respectivos pais, assaltos, assédio sexual a professoras, tudo o que se possa imaginar. Mas o essencial não pôde esconder, os marginais surgiam, ainda assim, facilmente identificáveis, todos percebemos quem são, são os que todos sabíamos que seriam; as eternas pobres vítimas de discriminação a quem tudo se desculpabiliza, para os quais tudo se justifica pelo chavão do «racismo» ou da «exclusão social» …
Talvez numa próxima oportunidade a RTP possa simplesmente fazer como João César Monteiro na sua obra «Branca de Neve», ecrã completamente negro permitindo apenas ouvir as vozes dos delinquentes. Haveria algo de simbólico nessa ideia do ecrã negro, negro como a mancha que alastra progressivamente por todo o país e que se abate sobre o nosso futuro.
Depois seguiu-se um debate... comecei a fazer zapping, havia acabado de jantar e achei melhor poupar a minha digestão às tretas das opiniões do costume, e de resto não precisava sequer de as ouvir, é por demais óbvio que o problema se resume à «exclusão social» e que a solução é colocar o «Zé Camelo» a sustentar com os seus impostos mais programas de integração, assimilação, inclusão, ou o que lhe decidam chamar, sobretudo não atacar o paradigma sagrado das nossas sociedades, nada de questionar a religião da multiculturalidade, que a nova Inquisição espreita e não perdoa.
Curioso estado o deste Estado, não pára de crescer, não pára de gastar e, no entanto, mostra-se incapaz de cumprir responsabilidades mínimas que lhe são necessariamente exigíveis, como fazer respeitar a autoridade. E mais grave, demitiu-se voluntariamente daquilo que, numa situação normal, ou não estivéssemos nós sob ocupação de forças anti-nacionais, seria uma das suas obrigações essenciais, defender e preservar a identidade da nação.
Nunca li um livro de Manuel Maria Carrilho e não faço tenção de ler algum, mas não deixo de reconhecer que a última obra do candidato derrotado à Câmara Municipal de Lisboa e a discussão pública que originou teve duas grandes virtudes. A primeira foi a confirmação das suas falhas de carácter: um homem que alega não ter cumprimentado um adversário político por se ter sentido gravemente ofendido na sua dignidade no decorrer de um debate e que, dias depois, cumprimenta sorridentemente o «ofensor», pousando para a comunicação social, é um homem com problemas de carácter. Quando optou por não cumprimentar Carmona Rodrigues pensou não estar a ser filmado, ou talvez não tenha, no imediato, reflectido sobre o impacto político que esse gesto causaria. Alertado pelos seus assessores para a má imagem pública que terá daí resultado achou por bem, agora com a consciência que estava a ser televisionado, cumprimentar o mesmo indivíduo que havia desferido o que considerou um «imperdoável» ataque à sua honra. O carácter de Carrilho tem, pois, momentos, conforme a agenda política.
Mas isso é de somenos importância, de qualquer forma nunca tive Manuel Maria Carrilho em grande conta, nem, para o efeito, a maioria dos nossos políticos. O homem, no fundo, não é nenhuma excepção à regra.
A segunda virtude foi a divertida e súbita controvérsia desencadeada pelo livro em torno da fiabilidade da «informação» veiculada pelos órgãos jornalísticos de «referência». Aparentemente existem «agências de comunicação» que controlam grande parte da «informação».Os estudos efectuados indicam que cerca de 70% das notícias publicadas nos jornais portugueses originam destas «agências de comunicação»,que podem estar ao serviço dos mais diferentes interesses, ou de gabinetes de imprensa de poderes públicos. Noutros países a tendência diminui, segundo uma reportagem do «Expresso», mas ainda assim mantém um peso significativo. Creio que o padrão se estenderá a todos os países ocidentais. Esta ausência de transparência entre interesses económicos e políticos e os «Media» não é novidade alguma. Christopher Lasch havia há muito identificado o problema como um dos factores de degeneração da democracia. A publicidade ou a propaganda, que originavam, de entre outras, precisamente de instituições do género destas «agências de comunicação» e gabinetes de assessoria, passavam cada vez mais como «informação objectiva» para a sociedade civil.
Quanto a mim não existe aqui uma perversão decisiva da democracia, essa vem muito detrás, é a democracia-liberal moderna que é em si uma degeneração política, a manipulação da comunicação e as relações dúbias que se estabelecem no quadro demoliberal entre informação e propaganda são uma natural característica do sistema.
O problema é que naquilo que hoje se convenciona chamar sistemas totalitários o controlo sobre a informação era claro ao passo que, como a democracia-liberal se publicita enquanto sistema pluralista, livre e transparente, esse controlo informativo tem de ser sujeitado a uma maquilhagem, a uma ilusão para venda ao público.
Sucede que a questão não se centra só na dita «informação objectiva» que se confunde amiúde com propaganda, é a própria «informação subjectiva», ou para ser mais claro, a «opinião», que é controlada nos «Media». Todos sabemos que as crónicas de opinião nos jornais ou os comentadores televisivos são seleccionados a partir de uma área bem delimitada que exclui uma parte das posições ideológicas, que não têm qualquer acesso à comunicação de massas e, por consequência, ao grosso da população. Estes sectores ideológicos não só são os mais vulneráveis à «propaganda-informação», porque não têm apoios financeiros nem poder político, como estão impedidos do acesso à comunicação social de forma a poderem exprimir-se pela sua voz.
Mas esta manietação informativa não é suficiente, apesar de tudo existem questões que fogem à «rede». E sobre essas torna-se cada vez mais claro que é também preciso actuar. Nesse caso é o próprio Estado que já não se coíbe de condicionar, implicitamente ou explicitamente, a informação e a opinião que deve ser disponibilizada à população.
É assim que se explica que o Ministério da Administração Interna (MAI) tenha exigido a responsabilização criminal dos dirigentes do Sindicato dos Profissionais de Polícia (SPP) que afirmaram a ligação, que é factual, entre imigração e criminalidade e as novas formas que esta tem vindo a assumir no nosso país, fruto das maravilhas da «diversidade multicultural». A intimidação como estratégia de controlo da informação e da opinião patrocinada pelo próprio Estado democrático… E é dessa forma que se explica que a CICDR, orgão do ACIME, que é um organismo governamental, financiado pelos contribuintes, tenha «aconselhado» recentemente os jornais a não publicarem a origem étnica dos criminosos, o mesmo é dizer que o Estado instigou a comunicação social a ocultar informação da população, no caso sobre a relação entre crime e etnia. Este não é um problema exclusivo de Portugal, nem um problema exclusivo das questões relacionadas com imigração e minorias étnicas.
Em França, o ministro da cultura, Renaud Donnedieu de Vabres, prepara um projecto, ainda mal esclarecido, para controlar a informação que circula na Internet, que se tem mantido até aqui como o único meio realmente livre de comunicação. Para além de outras implicações políticas que daqui poderão surgir convém lembrar que em França os sociólogos identificaram como uma das causas da rejeição da Constituição Europeia o trabalho desenvolvido pelos blogs e sites que se lhe opunham, fazendo um contraponto com o que era defendido nos «Media» tradicionais, onde as posições pelo sim tinham maior preponderância.
Numa altura em que alguns comissários europeus anunciam que o tratado constitucional será novamente levado a votação em 2009 não será irrelevante que se preparem projectos de controlo da informação na Internet precisamente num dos países onde o texto foi rejeitado. A escolha da data não é, obviamente, casual, coincidirá com um período em que se prevê que a economia europeia esteja já num processo de crescimento consolidado e em que, logicamente, a convulsão social será residual. Esta esperada estabilidade económica aliada a uma selecção daquilo que é disponibilizado como opinião e informação à população, condicionando a Internet, será a garantia (ou assim o esperam alguns) de que, desta vez, se votará «acertadamente».
No fundo a lógica subjacente a tudo isto é simples, o povo não pode emitir juízos de valor sobre informação que desconhece e tanto maior é a predisposição para a anuência quanto menor for o acesso à comunicação dissidente ou quanto maior for a exposição a propaganda disfarçada de «informação objectiva» e a crónicas de opinião criteriosamente escolhidas.
A democracia-liberal apregoa em público as suas virtudes únicas: a liberdade de expressão, a contraposição de opinião, o pluralismo político,a independência informativa, mas dissimuladamente – e por vezes nem tanto – vai impondo outras regras, garantindo um estranho conceito de liberdade e pluralismo na conformidade. Pois alguém julga possível haver real possibilidade de divergência quando a informação está condicionada? É exactamente a efectiva liberdade de informação e a sua independência, como o acesso aos meios de comunicação de massas por parte de diferentes forças políticas, que garantem tudo o resto. O carácter desta democracia é similar ao de Carrilho, em público apresenta uma face, na sua «esfera privada»( no caso a dos interesses económicos e políticos que a dirigem) tem outra. Uma espécie de «democracia carrilha»…
Hans Freyer é um nome pouco conhecido entre aqueles que se destacam vulgarmente naquilo que chamaremos a direita revolucionária alemã do pré-guerra. Filósofo e sociólogo, foi o principal impulsionador da “Escola de Leipzig”, uma escola sociológica sedeada na Universidade da cidade com o mesmo nome e que, sob a direcção de Freyer, se pretendeu constituir como um “Think Tank” para o nacionalismo, reunindo nomes como Arnold Gehlen, Gunter Ipsen, Heinz Maus, Karl Heinz Pfeffer ou Helmut Schelsky.
Embora Freyer seja um homem frequentemente olvidado no panorama da Revolução Conservadora o seu trabalho influenciou parte do movimento nacional-revolucionário alemão e a sua visão política insere-se facilmente dentro dessa tradição. Pertenceu ao complexo espiritual que reagiu contra a ordem imposta pela democracia-liberal à época e pode ser considerado um dos expoentes da ideia de meta-política na Alemanha dilacerada pela primeira guerra mundial.
A influência da sua obra no nacionalismo alemão esteve confinada a alguns sectores, e vale a pena lembrar, porque é muitas vezes esquecido, que o nacional-socialismo não foi um movimento monólito. Não encontramos em Freyer um ressentimento anti-semita nem um enfoque primordial na questão racial per se, mas antes uma exaltação do Volk germânico como essência e agente do ideal político. O nacionalismo de Hans Freyer assenta num posicionamento moral de rejeição do mundo que via surgir e que, como tantos outros homens, encontrava na mundividência proposta pelo nacionalismo a alternativa revolucionária de enraizamento social, histórico e espiritual do homem num mundo cada vez mais marcada pela fragmentação liberal e ameaçado pela barbárie materialista proposta pelo comunismo.
Em Hans Freyer surge uma visão cíclica da História, expressa em “Der Staat”, que concebe 3 fases progressivas que se repetiriam, Crença, Estilo e Estado. Na última fase, o Estado, a sociedade atingiria o apogeu. O Estado surge aqui como a estrutura que agrega a comunidade histórica e cultural, ou nacional, na unidade, dando-lhe um sentido ancorado no passado e uma forma para a realização futura, protegendo a sua particularidade. A ideia de liberdade em Freyer está sujeita ao bem comum, a liberdade individual não pode actuar de forma a colocar em causa a harmonia da comunidade.
Esta concepção do Estado pode apenas ser entendida à luz de uma adaptação da herança Hegeliana da ideia de Estado ético. Em Hegel a vida ética está fundada em três instituições fundacionais: a família, a sociedade civil e o Estado. Freyer adopta a mesma concepção considerando a sociedade civil como coincidente com a comunidade primordialmente definida. O Estado, como em Hegel, assegura a unidade necessária que invalida o fraccionamento e a desordem social inerente ao individualismo mais radical e, dessa forma, é ao mesmo tempo o garante de uma concepção própria de liberdade. Esta posição de Freyer é anti-universalista, e uma vez mais regressamos a Hegel e à noção de que o Estado não pode ser ultrapassado por uma ordem mundialista porque tal como não pode existir um indivíduo sem outros indivíduos não pode existir Estado sem outros Estados, depositários da soberania e do poder político que representem as diferentes comunidades.
As 3 fases cíclicas da história que Freyer identifica em “Der Staat” são um resultado do conceito de “espírito objectivo”, que havia sido desenvolvido anteriormente em “Theorie des objektiven Geistes. Eine Einleitung in die Kulturphilosophie"(disponível em espanhol como “Teoría del Espíritu Objetivo”). Nessa obra identificamos uma abordagem da cultura que pode apenas ser plenamente entendida num contexto pré-determinado, o da sua própria realidade. A cultura surge como interacção, é produto de um povo mas é também geradora desse povo, tal como, naturalmente, as “formas objectivas” que assume: símbolos, arte, organização; o carácter da comunidade. Estas formas, depois de criadas, almejam o enraizamento na realidade que as rodeia. Esta cultura criada e criadora não pode nunca ser independente da psique que a produz, isto é, do espírito (objectivo) próprio do povo que lhe dá forma e que sob as suas formas evolui. Freyer identifica a ideia de tradição como uma configuração desse espírito objectivo, fortalecendo as bases para a coesão particular de cada comunidade. Podemos então identificar nessas “formas objectivas” de criação cultural, enquanto dispersas, o Estilo que antecede a fase posterior da História, o Estado, onde serão unificadas e harmonizadas.
É importante salientar que Hans Freyer é um construtivista e que a visão política exposta em “Der Staat” terá um cariz parcialmente utópico. Mas este carácter utópico da sua visão não é entendido na sua obra como um factor de limitação ou desmotivação perante um objectivo supostamente irrealizável, antes deve esse cunho utópico ser compreendido como móbil da busca da superação e da perfeição e como factor de inegável valor no desenvolvimento e aprimoramento do espírito humano. Isto significa que na impossibilidade de se concretizar o projecto na sua totalidade é possível tender para isso, e é possível alcançar algo que se aproxime do desígnio traçado.
A ideia de utopia em Freyer está intimamente ligada a uma ordenação política da sociedade que no seu estádio final atingiria a estabilidade. Esse estádio perfeito seria atingido na projecção do “3º Império”, marcado por um primor ético, que sucederia ao “2º Império”, caracterizado pelo dever Kantiano. Em Freyer a procura da sociedade ideal está sempre ligada à ideia de pátria e à sua salvaguarda, não existe procura do ideal para além da comunidade. As duas funções históricas da utopia, a crítica social e o construtivismo sistemático, podem apenas mover a sociedade em direcção ao aperfeiçoamento quando estão localizadas espacialmente e centradas numa realidade cultural particular.
Da sua reflexão sobre a utopia, e porque não existem sociedades perfeitas, podemos retirar que a aproximação à boa sociedade exige 3 condições:
1- Um equilíbrio das forças que actuam na sociedade para constituir uma ordem funcional que exige que a comunidade se saiba fechar ao exterior quando uma abertura implica uma alteração da sua estrutura;
2- Alcançado o sistema ideal(ou o que dele se aproxima) este deve ser protegido de uma transformação;
3- A comunidade política não pode ser resultado de uma mera imposição jurídica para se manter agregada, o que significa que exige uma uniformidade à priori.
Apesar da influência de Hegel sobre Freyer ser também comum aos marxistas a visão de Freyer é extremamente crítica do Marxismo, sobretudo do determinismo económico, que ele rejeita. Também opostamente a Marx, Freyer, como já vimos, não tem por objectivo o desaparecimento último do Estado, pelo contrário, vê aí a concretização da união da comunidade e a partir do qual nasceriam as mais elevadas formas de cultura(1).
Essa rejeição do determinismo económico marxista baseia-se numa interpretação distinta da História, porque se no marxismo ela é determinada pelos factores económicos em Freyer é o “político” e não o “económico” que explica o curso histórico. E a rejeição resoluta da primazia económica afasta-o, igualmente, do liberalismo.
Esta diferença no entendimento das forças motrizes da História explica a “dialéctica Freyeriana”. Ao passo que no Marxismo a posição materialista justifica que a acção de transformação social sobre a História seja encarada no contexto da luta de classes, e portanto de uma comunidade dividida pelo económico, cujo elemento actuante, ou se preferirmos, o agente de transformação, é a classe proletária, em Hans Freyer o agente de acção, aquele sobre o qual recai a necessidade de actuar sobre a História é o Volk, o povo, a comunidade, que necessariamente precisa de se percepcionar como uma realidade unida pelo mesmo substrato, com um objectivo de realização comum, e não como um conjunto de indivíduos divididos pelo mercado ou apenas ligados por relações que derivam daí.
Se a revolta marxista é ditada por uma concepção economicista da realidade, o desencanto "Freyeriano" ultrapassa largamente essa dimensão, é uma reacção espiritual face a um mundo desenraizado, onde a nação surge fragmentada pela filosofia liberal, ameaçada pelo comunismo, dividida pelas lutas partidárias em prol de interesses próprios que não os da comunidade. É no contexto do advento dessa nação cada vez mais desintegrada, cada vez menos orgânica e afastada da sua memória histórica que Freyer afirma a urgência do mito como factor estruturante da pátria: o nascimento num povo particular deve ser elevado a um destino ou vocação conscientemente afirmada(2).
Notas:
(1)Esta visão Hegeliana do papel do Estado na ordem política é comum a algumas correntes fascistas, provavelmente aquelas que mais apropriadamente se podem assim denominar, e vale a pena aqui lembrar as palavras de Mussolini:”Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Na prática o corporativismo fascista não realizou esta ideia e assim somos remetidos para a procura da utopia em Hans Freyer, entre o projecto ideal ambicionado e o realizado existe o confronto com a contingência, que provoca a necessária adaptação, mas os princípios subjacentes podem, não obstante, ser largamente realizados. É a aproximação ao ideal que só é conseguida quando é a plenitude que se ambiciona.
(2)Relembrando um seu contemporâneo,Carl Gustav Jung:"O sentido torna muitas coisas suportáveis, talvez tudo.Nenhuma ciência substituirá o mito e o mito não pode ser construído a partir de qualquer ciência.Porque não é que Deus seja um mito mas que o mito é a revelação de uma vida divina no homem"
Referências:
Jerry Z. Muller,"The Other God that Failed : Hans Freyer and the Deradicalization of German Conservatism",Princeton University Press,1988
Hans Freyer,"Teoría del Espíritu Objetivo",Editorial Sur,1973
Porque ver um sorriso no rosto de uma criança é uma das formas de nos ver sorrir, o PNR inicia, no próximo dia 10 de Maio, uma campanha de recolha de brinquedos para as nossas crianças carenciadadas.
Consideramos que não é só no Natal que se devem organizar este tipo de actividades, e como tal, resolvemos fazer as crianças um pouco mais felizes também em outras alturas do ano.
As associações a quem vamos entregar os brinquedos recolhidos serão rigorosamente seleccionadas.
Aos Portugueses lançamos o convite: quem tenha disponibilidade para doar brinquedos de filhos, sobrinhos, netos ou outras crianças ou queira adquirir um brinquedo, seja de que valor for, e participar nesta campanha, o PNR agradece.
Vamos pôr um sorriso no rosto de cada uma das nossas crianças.
Para mais informações visitar esta página do site do PNR
*Actualização: Os brinquedos recolhidos nesta campanha do PNR serão entregues ao Retiro Aboim Ascenção, dirigido por Luís Villas-Boas.