

o homem de trinta
volta a frequentar salas acadêmicas com cadeiras
e não mais bolas de pilates
não deixar a academia atrapalhar meus estudos
acabou atrapalhando minha conta corrente
volto a ser um ser sem luz
das 13:30 até às 17 e 20
aluno
do latim
alumnu
não sei o que
não sei que lá
sem luz
não significa
sem brilho
a chama acessa
e coronária
essa não cessa
como sergio sampaio
que acelera na copacabana
para caber na métrica
me coloco no meu lugar
para começar tudo outra vez como todo novo começo
eis meu fogo cardeal
e digo mais
Arcoverde era careta
la mala leche, Arcoverde
proibiu o ritmo corta jaca
na corte de ruy barbosa
não tem perdão para você
e hoje em dia, estamos ai,
na
rádio
atividade
narrando coisas
como
como
a novinha
quica no chão
e é isso ai
o homem de trinta nunca deixou de ser o menino de 18
e ele agora é o menino de 18 com mãos de 16 e pés de 42
meus movimentos cansados
denotam tão somente e apenas
que estou inteiro
dessa vez
recolhi os cacos
dessa vez
aparei arestas
dessa vez
peguei o troco
e contei
o troco
como quem
do fundo do coração
queria mesmo
balas esféricas de canela
dessa vez eu ouvi minha voz de dentro
antes do grito mudo
no hospital
da gente
e digo mais
agente se escreve junto
starway to mambo
ela disse
uso capião
eu penso
capinar o tempo
o vento responde
e o churrasco se faz pano de fundo
para uma firma
arquitetada
na cabeça de um furacão
menina
- já transei todo mundo nessa sala,
ela anuncia
menos eu
penso primeiro
depois falo
enquanto arrumo as linguiças de um jeito
que o cão de baskerville
não consiga alcançar
deito meu corpo em sinal de resignação perante ao meu domingo
hoje não bebi
hoje não fumei
não pagar pelo que eu não consumo
tem me feito bem
quem tem uma vela acessa
em frente ao espelho
têm duas

água brahma & coca
bambu pra varal
potato square e sua bandeira inútil de uma pátria que não foi parida por mulheres
o amor seguido da ordem e do progresso
não é amor
é controle,
controle de caixa
ainda bem que temos tempo
o seu relógio somado ao meu
faz um dia qualquer
ter 48 horas
like a falcatrua
13 Mar 2019 8:10 AM (5 years ago)

e vai rolando,
seja
abismo, seja céu, seja ladeira escorregadia.
vai rolando,
trabalha
e confia sua loucura
antes
que alguma instituição te engula.
vai rolando,
atrapalhe
e atrofie essa
caquética necessidade
de enrolar-se
em panos quentes
pela cidade.
talha à navalha
tua
obra no teu ombro
e vai
rolando,
que
ousadia estática
cria craca,
cria limo,
cria empecilhos para o salto quântico:
não importa o quão devagar você role,
a
questão maior é não ser estátua viva,
daquelas que dependem de um níquel que quica
no chapéu para o próximo movimento,
seja
ele gigante,
invisível
ao olho condicionado,
seja
ele minúsculo,
imperceptível ao olho
nu: nuvem monumento vivo.
vá e rache e rale e embole e saltite/ no frenesi da assimetria/ grite:
boa tarde,
boa parte dessa vida é saber morrer sem o consentimento da Morte.
just like a falcatrua/ morra/
mas fique na tua/
grave no seu ataúde/ greve/
essa morte não é sua/

e no fundo
bem lá no fundo
tanto faz
a gente só precisa de um espelho que diga
está tudo bem
tudo bem
fica tranquilo
um disk-não
que nos conforte:
"não, magina, que isso"
Março,
2013, Parque Julieta, minha era da desforra vitoriana em derrotas rechonchudas:
pesava 90 quilos sendo 20 provenientes
de um pout-porri de medicamentos e muitas bolas de manteiga. Visto um moletom
de 2006 de um hard rock café Barcelona. O casaco é cinza e claramente não me
cabe mais: muitas coisas não me cabiam e eu continuava usando. Gostava de
sentar na bicicleta ergométrica enquanto fumava meus cigarros e ouvia uma
música do Dylan na voz do Van Morrison no repeat infinito: It´s All Over Now,
meu bebê azul. Eu cantava, eu fumava, eu comia enquanto fumava e comia e
cantava e pedalava enquanto fazia tudo isso e assistia o fim da minha sanidade.
Eu, o retirado da sociedade para uma reabilitação psicossocial: they trie to
make me go e eu escorri pelo ralo, no aqui irreversível, no tempo dissoluto, na
minha cabeça em ruínas. O Nando, menino novo de Mogi das Cruzes, às vezes
cruzava comigo pelos pastos psiquiátricos e ficava de papo, gostava de trocar
uma ideia (sic) comigo. Gostava do jeito que eu jogava a real (sic). Mais de uma
vez repetiu como seria irado (sic) fumar um baseado comigo assim que
ganhássemos alta da clínica cínica composta de um maquinário rupestre em se
tratando de saúde mental. Nando foi pego no famoso esquema mãe-desesperada-revira-gaveta-de-filho-vadio-e-encontra-uma-paranga-de-cinco-e-manda-internar.
Internar. Mandar internar. Sanitarizar a loucura como resultado de uma providência
pseudohigienista, aparamento compulsório de arestas psicolaicosomáticas, a lixa
no lixo orgânico de cabeças voltadas para dentro e para fora na velocidade de
entendimento a partir do olhar-sofrer. Falo de mim. Do Nando não sei. A mãe
dele assinou uma cela de 7 dias e encheu o guri com nutella e fandangos que acabei
herdando ao final do seu retiro. O Nando tinha ido pruma colônia de férias. Eu
não. Eu estava internado: surto: suturas de realidade desprendendo-se das
paredes da hiperlucidez. O Parque Julieta era a terceira instituição que me recebia
num intervalo de três meses. Da primeira, eu nem passei da recepção, minha mãe
pediu para usar o banheiro e viu pacientes amarrados com correntes no pé do
leito da cama. Santa Casa da misericórdia ausente. Não me internei ali, mas
fiquei detido com três anjos louros de branco terrível numa sala suja por três
horas respondendo perguntas aleatórias sobre superpoderes e drogas. Lembro do
olhar coliforme da psiquiatra residente buscando no meu âmago algum traço de
coerência funcional perguntando em que dia do calendário estávamos. Dei a coerência funcional que ela pediu, mas
dei também argumentos do teatro dos aflitos que ela jamais esquecerá. Ou sim, esqueceu
e foda-se. Nesse mesmo dia, horas antes, amanheci na Praça Roosevelt deitado
com mais alguns corpos no chão. Eu tinha estacionado sem seguro na justiça ilegal
do leilão sambão teatro. Corpos que como eu não tinham recursos internos para
voltar para casa. Corpos desprendidos da órbita social minimamente aceita. Eu
cheirava a conhaque e ressoava a pureza do gengibre. Quando fui removido, me
vesti todo de branco e, por dentro, cores dissonantes arquitetavam a loucura
sem acordes no meu peito. Tinha a unha de cada dedo mindinho das mãos pintados
de azul-nossa-senhora. Salvo ou não, dali da Casa Santa fui levado para a Clínica
Conviver na rua Cotoxó. Fui de passageiro com meu pai conduzindo e minha avó e
minha mãe no banco de trás e lembro do meu olhar de despedida enquanto
desfilava de janela aberta pela Professor Alfonso Bovero e acenava com o rosto
para desconhecidos na marquise de um bar. Era o meu fim ali e eu estava inteiro
nele. Achei que jamais voltaria a colocar os pés na rua e na verdade nem queria.
Estava resoluto. É importante ratificar que eu pedi para ser internado porque
eu estava cansado de ler o mundo. Eu vinha de uma jornada de autodestruição neoconstrutiva
de merda e estava encharcado de sono laboral. Não acredite em ninguém que diga
que não precisa dormir. Eu queria descansar. Pedi para ser internado para poder
dormir longe das ruas. Mas a rua não saiu de mim e acabei apanhando mais do que
descansei. A literatura dos anos 50 barra 60 barra lucífer tinha me iludido com
manicômios poéticos. Sempre fui um deslumbrado vadio além de um deslumbrante
vagabundo. Aliás, minha vadiagem fez escola nos anais de algum lugar. Mas isso
é outra história. Nem existiu e já é outra história. A vida inteira eu tracei
paralelos com histórias tiradas do além-real e teve um dia em específico que eu
decidi vive-las, o dia que escolhi cruzar o muro da vontade em aceitar que
ainda havia fogo em mim para resistir a minha condição. Eu cuspi tantos dias de
luz que me julguei submerso na incapacidade de reverter meu oceano de caos. Arreganhei
os dentes dentro da jaulinha da filosofia. Joguei sabão em pó de pirlimplinada
no chá da enfermaria de choque e recebi o tratamento da arara amarrada sem
papagaio. A olhos vendados, estava sendo ensinado a conviver mijando em mim
para me esquentar porque o ódio não produzia cobertor suficiente. Eu tinha amor
brotando de toda aquela violência. Muito amor. Amor e um livro do Bukowski e
Camila Lauren, a LoraxoGirl, outra interna que me enlouqueceu para o bem quando
me resgatou no meio do refeitório com uma entrada flamenca triunfal e um cabelo
vermelho que me fez pular de dentro do meu café com leite e dançar um tango com
a língua. E eu me tinha também, Mister Quietiapína. Meu superpoder era opinar
mesmo estando quieto. Conviver ficou
pequeno. Bom & mau, definiram os termos na porrada. Quem cu tinha, temeu e temerá
assim como eu temi, temo & temerei. O livro do Bukowski teve que passar por
três psiquiatras até ser aprovado. O Dalton Trevisan não, esse passou sem
vaselina com a Guerra Conjugal, um livro muito mais psicopata que os textos
autobiográficos do velho bebê beberrão. Eu tinha livros com páginas arrancadas
porque os livros me eram tirados como sinal de reeducação psicossocial. Eu
tinha cigarros racionados porque os cigarros me eram tirados como sinal de reeducação
psicossocial. Eu tinha visitas dominicais para as quais me preparavam com doses
sobre-humanas de antipiscóticos porque me era tirada a dignidade como sinal de reeducação
psicossocial. Eu tinha ojeriza da minha imagem no espelho. Não era eu ali.
Aquilo não era convívio: laboratório labiríntico do minotrauma. De quando eu
entrava no banheiro e a luz permanecia apagada inclusive para fazer a barba, um
dia me flagraram no escuro com uma gilete ruim na mão e creme fedido de barbear
besuntado no corpo todo. Não queria mais pelos. Aqueles pelos estavam sujos,
internados. Tirava a merda do cu com o dedo. Eu não queria aquela merda
internada dento de mim. Seja qual fosse o projeto de loucura estrutural da
Clínica Conviver, eles conseguiram instaurar em mim o ponto fixo da agonia
compulsiva. Eu queria descansar e acabei ficando acordado, bem acordado, eu e
os meus três olhos. Hoje sei que o ponto fixo de agonia nunca partiu, inclusive
agora quando escrevo. Só porque eu era burguês, fachada de marginal e
vocabulário rebuscado, me chamavam inteligente demais para estar amarrado numa
cama. Talvez eu fosse estúpido o suficiente para crer num presente manicomial
que me desse o aval de fazer das roupas no varal um querido e estranho
festival. A minha coragem se resumiu em despistar a vida com meu cheiro de
morte. O que a reabilitação psicossocial fez foi ressaltar o lado infernal de
ter memória e poder alternar entre a lógica do macro e do micro. Entrar em mim
para poder entrar no todo. A Lua sempre me chamou, mas eu nasci feliz, Felipe,
felino, forastero, nuevo y camino: hijo del sol e terráqueo. Escrevo como um
marco referencial de transição de processos. Não nasci onde nasci ou vivi o que
vivi por sorte ou azar, descuido ou displicência, nasci onde nasço para dar
testemunho: escrevo para voltar ao mundo e volto ao mundo porque escrevo.
Lunático é o povo que vive na Lua. Eu não, tenho meus dois pés fincados na Terra.
A cabeça nas nuvens, sim, sempre e antes de Lima Barreto eu já me considerava
um nefelíbata. Às vezes eu olho no espelho e eu sou essa girafa. Às vezes eu
lembro de tudo e, para além da crueldade da memória apresentada num copo baixo
por Deleuze e Guattari, eu sou esse elefante. Às vezes eu tomo sopa e eu sou
uma mosca. Inclusive, boatos internos dizem que Raulzito, a pantera, ficou
internado no mesmo Parque Julieta que eu, aonde compôs a pérola do rock baião,
a mosca que perturba o nosso sono. O que me levou a conclusão que, vejamos, desde
1980 o cardápio não mudou. Era sopa de café da manhã, sopa no lanche da tarde e
sopa de medicamentos para dormir afastado do mundo onírico. Macacos sagui me
despertavam e ganhavam a sopa de mamão papaya que depositavam na minha porta
todo dia pontualmente às 8 e 15 da manhã. Nessa época eu me alimentava pelo
nariz com carreiras de rivotril milimetricamente esmagadas com minha biografia
do Napoleão. Isso e cigarros, a fumaça sublime que lindamente preenchia os
fachos de sol da minha internação. Lembro de tudo de cada segundo e minhas
orelhas quentes de savana sabem que essa memória é uma construção coletiva. O
tropeço de um é o tropeço de todos. Eu não precisava pagar de maluco beleza
depois de Raul, mas paguei. O grito primal de um reverbera do dentro do todo. Só
tive a plena consciência do ponto fixo da aflição contido numa contenção
violenta quando parei de gritar e ouvi o grito aprisionado nos olhos dos
enfermeiros de branco que, como num ritual, amarravam minhas extremidades para
depois pedirem calma e paciência, que eu estava sendo curado. Eu jamais
perdoarei a quantidade cavalar de haloperidol injetado no meu corpo. Jamais.
Mas também sou eternamente grato pela metáfora aplicada em mim em vida. Foi
somente deitado e imobilizado que eu tive a calma de respirar pelo coração e
enxergar no teto sujo da clínica as asas esmagadas daqueles que ousaram fazer
do dentro, o fora. Porque um surto nada mais é que todas as nossas vozes sendo
escutadas amplificadas pelos quatro cantos da vida. Até quem não me conhecia
podia jurar que todos os sinais indicavam para uma derradeira internação.
Ninguém, nem pai, nem mãe, nem enfermeiros, está preparado para uma existência
sem eira, sem beira, sem filtro, sem rédea, sem freio, sem seio, muito menos um
paciente dito psiquiátrico. Definitivamente, a internação é o reflexo claro da
não sabedoria em curar um trauma. A internação de alguém é resultado de um
surto coletivo nascido da impossibilidade de acessar o amor maior diante de um
emaranhado quântico de caos humano. Uma clínica, um laboratório, uma camisa de
força: sinais evidentes de desespero genuíno. E agora um recorte seguido de um
corte aritmético. Escrevo esse relato na estrada e não mais preso e não mais
livre do que se estivesse em uma clínica. O mesmo capítulo que abre, fecha e
abre outra vez, porque no final de cada livro, duas ou três páginas em branco
são inseridas. Mais será revelado conforme o livro for se fechando fisicamente enquanto
se abre para dentro de quem escreve & lê. Um cachorro encontra o outro,
eles estão separados por uma grade. Focinhos transpassam, tanto de um lado como
do outro, a grade. Um cachorro está dentro e o outro está fora e mesmo assim,
com essa gritante descrição, é impossível discernir qual é o cão dentro e qual
é o cão fora. Rabos são erguidos em sinal do império da empatia. Um cão mija na
divisa, o outro cão cheira a mijada na divisa e mija em cima da mijada da
divisa. É assim que eu enxergo a minha luta antimanicomial. Uma vez uma ávida,
impávida e sábia mulher cruzou em linha reta meu caminho. Aconteceu de ela ser
uma psiquiatra, aconteceu de eu estar amarrado numa cama. Ela balançou uma
chave na minha fuça e disse ser a nossa única diferença, ela tinha a chave para
sair dali. Internar um indivíduo é internar também toda a sua família
terrestre, é abrir a brecha para um processo de desidentificação até ficar
desconhecido de si mesmo. Hoje posso escrever e dizer sem medo que amo o mundo
construído aqui no parapeito dos meus olhos, mas até chegar ao ponto do eterno
retorno, eu pastei, tenho a consciência, e muito, sobre as verdes gramas do
inferno que, pasmem, não é quente e nem cheira a enxofre, mas é tão familiar
quanto o caminho que nos leva a fundação de nossa casa. E eu, que nunca me fiz
de leitão vesgo para mamar em duas tetas, me vi afogado em afirmações de ódio
próprio. Não tem chuva que caia que não me faça desejar vida eterna. A água que
cai de cima é a mesma que verte da vertigem dos olhos de quem olhou além do rei
no umbigo e viu o precipício do príncipe do descaso calçando a vida como quem
calça galochas em um dia de sol. O olhar e o corpo e o cheiro da alma ficam
marcados e ratificados e delineados pelo bem que fazemos, primeiro a nós
mesmos, depois para o mundo. Não importa o quão rude tenha sido o erro de
cálculo de proa que me levou para os mares insólitos do hospício, a busca pela
terra sem mal é evidentemente mais clara quando eu trabalho com as minhas mãos.
E como muito cedo foi tarde demais em minha vida, sempre precisei ouvir gritos de
incentivo. Mas só grita aquele que que tem o coração longe de mais da razão
selvagem. Eu queria ser cuidado, mas não cabia mais no colo de minha mãe. Eu
queria uma rede de proteção, mas as colunas do meu estruturalismo estavam
erguidas sob o império da areia e da cola. Quem me tirou de mim fui eu mesmo,
quem me tirou dos murros labirínticos do descaso foi uma terapeuta ocupacional.
Eu queria me ocupar de mim, mas não tinha a puta ideia de qual migalha ou caco
começar a recolher. Começamos, Marcela Resende & eu, pelos meus discos. Ocupação
simples, mas que sozinho eu não estava dando conta. Aliás, grande ponto a ser
ressaltado: aprendi a duras e corrosivas penas que o papel que exercia de lobo
solitário da urbe só me levaria mais cedo ao buraco do bueiro de uma cova.
Nenhum ser humano sozinho é suficiente para o mundo nem para si. Sentar no chão
do meu quarto multifacetado com Marcela Garcia e organizar os discos um a um e
olhar as capas e lembrar de todas as histórias que um álbum carrega e acumula
foi a fagulha da centelha divina que fez com que eu começasse a engatilhar a
retomada da minha retaguarda. Sempre fui um galo bom de briga, mas esse mesmo
galo acuado estava agora espremido na tentativa de voltar ao involucro do ovo.
Eu acordava de manhã, abria meu armário e vestia todos os meus medos. A
realidade psiquiátrica invadia assim a minha realidade laboral-social. Caminhava
pelas ruas do meu bairro assombrado pela própria sombra. Qualquer pessoa que me
olhasse por mais tempo era um potencial agente removedor. Toda ambulância que
passava tinha vindo me buscar. Toda mulher de branco era um anjo terrível com
cordas na bolsa. Foi nesse misto de inanição moral e falta de decoro para o
livre arbítrio que eu voltava a cena carimbado à ferro e fogo pela insígnia do
código internacional da doença, mais conhecido nas alas psiquiátricas como
CID-10. Além de Felipe, eu agora também uma porção de F´s. O real significado
de tantos rótulos desconheço, mas sentia o peso de cada um como bolas de feno
de aço presos na canela do meu ser. Para onde quer que fosse essa seria minha
subjetiva bagagem mental. Meu estigma e minha guerra. O maior trabalho diário
era para cessar pensamentos em looping, pensamentos obcecados em derrubar a
pauta do meu bem querer. O trabalho que mais facilmente executava era o de
administrador de grafias sonoras. Eu quase não falava e, quando falava,
normalmente era para explicar que eu não falava. Ir até a padaria comprar
cigarros era um parto. Mas a cada maço novo de cigarro, tinha 20 novos amigos
para queimar e plantar no cinzeiro. A cada dia que passava – já não os contava
mais – estendia em uma hora a hora de levantar da cama. Sair da cama era
validar o estado de agonia para o mundo exterior. Dormindo ninguém esperava
nada de mim. Nem eu. Apertava meus olhos o mais forte possível para induzir um
artificial estado onírico. Meus sonhos eram menos sonhos e mais retrospectivas.
Passava a limpo e a sujo cada esquina deturpada da minha história. Era capaz de
reconstruir cenas, cenários e diálogos da vida e buscar ângulos novos de escape
temporal. Todo dia de manhã me encharcava de impotência e culpa. Cavava a olhos
nus um buraco homérico de despropósitos. Nessa época montei meu primeiro e
último time de futebol, o What If Sport Club. Joguei em todas as posições e
alterei hipotética e pateticamente as jogadas do passado. Afundei meu time na
oitava divisão da várzea aristotélica. A retorica barrada do lábio para dentro
orbitava sem causa no céu da boca. Eram caldos atrás de caldos nas marés
desconexas dos meus pensamentos, mentimentos, ensimesmamentos, desvirtuamentos.
Essa é a primeira vez que documento e revivo todo meu processo no papel. Revirar
tudo isso é enfiar a mão dentro de um vespeiro, é o tal do espelho visceral, os
espelhos de dentro. Muitos dirão da minha coragem em dizer o que digo, mas não
acredito nessa coragem. Chafurdar na lama do ressentimento definitivamente não
é a melhor maneira de ficar limpo. Quero com isso proporcionar a mim a mesmo a
graça do testemunho. Além da sorte ou do azar, eu vivi o que eu vivo para dar
meu testemunho. Lembrei de uma cena que aconteceu na Clínica Conviver. Eu estava
confinado no meu quarto, meus movimentos dentro da casa tinham sido limitados.
Foi a semana da internação dentro da internação. Eu perdi o direito de
interagir com os outros internos porque aparentemente eu estava plantando a
semente do fogo. Queria olhar dentro do olho de cada um e ouvir os segredos
mais sujos da alma. Armava jogatinas de poker apostando as bolachas waffles do
café dos enfermeiros. Eu queria transar, eu tinha fome de corpos. Entre a
Loraxo Girl e eu, sempre dois enfermeiros fazendo escolta. Nas oficinas de arte
utilizava todas as tintas possíveis para me lambuzar numa tela em branco. Eu me
pintava inteiro para ser o quadro mais exótico da clínica. Cantava Roberto Carlos
e as curvas da estrada de santos no chuveiro a pleno pulmão para depois ser
aplaudido no refeitório. Imitava a voz de outros pacientes a noite chamando
pelos enfermeiros e instituía ali minha pequena anarquia. Minha pirraça foi
castigada, apreenderam meu tratorzinho literário e fui confinado dentro do
confinamento em um quarto de três por três. Era eu, minha cama e o banheiro. Um
dia calculei que meu banheiro estaria exatamente em cima da enfermaria, não
tive dúvida, entupi todos os ralos e liguei chuveiro e torneira. No dia
seguinte soube que todos os remédios estavam encharcados. Os relatórios dos
enfermeiros que já tinham perdido a paciência comigo continham barbaridades que
me deixariam preso pelos próximos anos. Eu queria do fundo do coração balançar
todas as estruturas daquela casa. Consegui. E talvez tenha ido além. Um dia um
enfermeiro fez daquilo uma disputa pessoal, me amarrou inteiro e antes de me
grampear na cama, me atirou contra uma janela. Com todos os membros
imobilizados, aterrissei de cabeça, rachando o vidro e minha testa. Nunca
fiquei tão feliz com tanto sangue. A situação atingiu o parâmetro irreversível.
Fui expulso da clínica conviver e transferido para zona sul, para o Parque
Julieta, aonde me enxerguei com noventa quilos discutindo a existência de deus
em uma bola de manteiga com as carpas do lago. Foi nesse mesmo lago em que
encontrei o primeiro psicólogo disposto a somente me ouvir. Falei tanto ao
ponto do som da minha voz me causar preguiça existencial. Aos poucos fui
murchando. Fui perdendo o pique de fazer minha carreira nas alas psiquiátricas.
Não pertencia aquele lugar, não pertencia a nenhum lugar, eu não morava mais em
mim. Alguns meses depois, no meio de um temporal, Marcela, a terapeuta
ocupacional, e eu, compramos uma saca de um quilo de semente de girassol e
fomos até o morro das corujas. Chegando lá, fiz um pequeno buraco no saco e
despejei aquele quilo lentamente sobre minha cabeça. Como em uma ampulheta de
uma via só, tomei um banho de um quilo de sementes de girassol no meio da
chuva, da lama e do sol que começava a aparecer entre as nuvens. Lembro-me de
sorrir e do sorriso na cara da Marcela e da sensação de ter encontrado um
lugar, mesmo que efêmero, extremamente pontual para minha loucura. De lá para
cá entendi que minha cabeça estaria sempre posta nessa gangorra de emoções. De
lá para cá eu subi e desci na bolsa de valores e virtudes como quem faz amor.
Eu vi a poesia morrer e nascer milhares de vezes dentro do meu peito. Entendi o
corpo poético com todas as contradições possíveis no qual minha alma se abriga.
Eu sou um poeta e vou morrer um poeta. Do tempo em que eu chupava luz em busca
de iluminação pessoal ficou apenas a certeza de que devo manter luz própria.
Por mais que escreva, sinto que esse relato está apenas começando. Continuo
escrevendo para continuar respirando. É essa minha revolução pessoal e
intransferível.


o homem de trinta
volta a frequentar salas acadêmicas com cadeiras
e não mais bolas de pilates
não deixar a academia atrapalhar meus estudos
acabou atrapalhando minha conta corrente
volto a ser um ser sem luz
das 13:30 até às 17 e 20
aluno
do latim
alumnu
não sei o que
não sei que lá
sem luz
não significa
sem brilho
a chama acessa
e coronária
essa não cessa
como sergio sampaio
que acelera na copacabana
para caber na métrica
me coloco no meu lugar
para começar tudo outra vez como todo novo começo
eis meu fogo cardeal
e digo mais
Arcoverde era careta
la mala leche, Arcoverde
proibiu o ritmo corta jaca
na corte de ruy barbosa
não tem perdão para você
e hoje em dia, estamos ai,
na
rádio
atividade
narrando coisas
como
como
a novinha
quica no chão
e é isso ai
o homem de trinta nunca deixou de ser o menino de 18
e ele agora é o menino de 18 com mãos de 16 e pés de 42
meus movimentos cansados
denotam tão somente e apenas
que estou inteiro
dessa vez
recolhi os cacos
dessa vez
aparei arestas
dessa vez
peguei o troco
e contei
o troco
como quem
do fundo do coração
queria mesmo
balas esféricas de canela
dessa vez eu ouvi minha voz de dentro
antes do grito mudo
no hospital
da gente
e digo mais
agente se escreve junto
dar vazão
ao
ódio
represado
antes que a barragem
do amor
desmorone
dar vaso grande
ao
abacate
reprimido
antes que a semente
do perdão
imploda
dispositivo
para amar
sem nenhuma reserva
desativar dispositivo
para amar
sem nenhuma reserva
armar dispositivo
para reservar
algum amor próprio
desativar dispositivos
desativar amores
desativar reservas
eu
me
amo
mas para isso
ainda me falta
uma frota farmacológica
amarelas, vermelhas, azuis
já fui muito faixa preta
agora trabalho com tarjas
eu
deveria
me amar
mas como
posso
me amar
se eu nem me conheço?

eu não preciso de mãe diná
pra saber o meu pior
eu não preciso me atirar
da janela do vigésimo andar
eu posso cuspir
eu posso assoviar
para subir
eu tive que descer
.
.
.
um like na vida
um sorvete com a poeta:
valorizo arraso acho mara
...

i
know
that you know
that i know
that i show
something
is tearing up my mind
...
tell me, m./
what´s wrong with me this time?
capaz
bem capaz
disso da vida
vir a ser um labirinto
sem paredes
sem paredes
um labirinto invisível/
dentro da cabeça
levas um fauno
carregando o coração
o minotauro
para o próximo passo
te cabe
cabotino
um punhado de instinto
outro de intestinoquando
a realidade me entra pelos olhos
o meu pequeno mundo desaba
fogos
de artifício
cruzam o horizonte
morteiros de alegria fabricada
a estética da felicidade
empolou
não desce na garganta
nem com água raz
não toquem na minha melancolia
depostos todos os personagens
é ela quem me aninha no colo
ideias suicidas
mantém esse mundo girando
enquanto
existir alguém talhando
em qualquer superfície
o que se entenda por linguagem
vai existir poesia/
tire as tintas de um pintor
e o tranque em um quarto com telas em branco
em questão de dias
merda vira tinta
ai você percebe
que não é o meio
e nem a mensagem
é só você
querendo dizer
que existe/
qualquer manifestação de vida é poemaolha
em volta
não tem plateia
é você
dentro
de você
é você
quem aplaude
quem vaia
quem acende quem apaga
o holofote
capaz de lançar um facho de luz no céu
capaz de lançar um golpe de sombra na alma
ela
envia seu adeus
de bratislava
e não há muito o que eu possa fazer
aqui
do outro lado do continente
a não ser transformar em poema
as lágrimas que não caíram
acordei
desacordado dentro desse acordo sem cor
no disparate do meu disparate
absurdo compactuado comigo
dentro do meu isolamento glacial
no qual servi meu coração numa colher de sobremesa
agora tudo é uma vitrine
passam os passantes
a admirar os descontos da minha alma